Ministra comentou a atuação do Judiciário nos tempos atuais
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, afirmou que o Brasil é uma democracia em que ainda há antidemocratas. A declaração ocorreu durante entrevista sobre o lançamento do livro em que a magistrada é coautora, O Judiciário do nosso tempo.
“Somos uma democracia em que há antidemocratas ainda. Então é preciso que a gente construa socialmente a democracia e a República mais amplas. Isso é que nos faz mais republicanos. Repúblicos de uma República verdadeira. Tudo, no caso brasileiro, é muito mais dificultoso, porque nós temos uma história de colonização extremamente impositiva e autoritária. Estamos no ano do bicentenário da Independência, e os preconceitos e as atitudes antidemocráticas de hoje são repetições históricas tristes do que ainda não conseguimos superar”, disse ela, ao jornal O Globo.
Durante a entrevista, Cármen Lúcia também opinou sobre o revisionismo nas condenações da Lava Jato, muitas delas hoje derrubadas por serem consideradas parciais. Ao ser questionada se as anulações seriam um retrocesso, a ministra negou.
“O direito de ser julgado de maneira imparcial é direito fundamental. E vem de muito tempo. Antígona queria que seus dois irmãos, Etéocles e Polinices, fossem julgados da mesma forma. E é o que diz a Creonte. A corrupção é o que Ulysses chamou de “a doença da República”. Então a corrupção é inaceitável. É crime. Não está havendo um retrocesso. Mas as investigações precisam ser feitas nos termos da lei, e não são investigações fáceis mesmo. Os corruptos de forma geral não deixam provas tão fáceis, como é caso em uma prisão em flagrante”.
Cármen Lúcia ainda comentou a atuação do Judiciário no contexto atual. Na avaliação dela e dos demais organizadores do livro, nunca houve um período histórico em que esse Poder fosse tão demandado quanto no presente.
“A cidadania mudou. Eu fui estudante de direito na década de 1970. Os professores diziam “melhor um mau acordo do que uma boa demanda”. Hoje o cidadão sabe do seu direito e passou a reivindicá-lo. Porque não se reivindica direito desconhecido. Houve um crescimento da própria cidadania, com a Constituição de 1988. Ele quer um bom acordo ou uma boa demanda. Ele já não quer um mau acordo, abrindo mão daquilo que frustra a sua ideia de Justiça. Isso leva a uma procura maior pelo Poder Judiciário, o que é muito positivo. Imagina uma sociedade na qual nós conquistamos direito, formalizamos direito, mas o titular do direito, que é o cidadão, não se dá conta dele”, ponderou.
A ministra, entretanto, se negou a se pronunciar sobre a crise entre os Poderes da República.
“Esta matéria está sub judice e eu não me pronuncio fora dos autos. Especialmente em matéria que está sob relatoria de uma colega. Vamos aguardar os julgamentos”.
Além de Cármen Lúcia, são organizadores do livro Maria Tereza Sadek, Pierpaolo Bottini, Raquel Khichfy e Sérgio Renault.