Em audiência pública, secretário também rebateu posicionamento de que aborto é questão de segurança pública
O secretário de Atenção Primária à Saúde do governo federal, Raphael Câmara, declarou nesta terça-feira (26), durante uma audiência pública para discutir o manual do Ministério da Saúde para atendimento e conduta de profissionais em casos de aborto, que “matar bebês de sete meses dentro da barriga” não é normal.
O tema ganhou repercussão na semana passada, quando uma menina de 11 anos conseguiu realizar um aborto em um hospital de Santa Catarina após ter engravidado. A teoria inicial é de que a criança teria sido vítima de estupro, mas investigações apontaram que a gestação foi fruto de uma relação sexual consentida entre a garota e o filho de seu padrasto, um adolescente de 13 anos.
“Peguei algumas críticas feitas em relação ao nosso manual, algumas interessantes, outras não. Isso, como obstetra, não dá. Essa sociedade que acha que é normal matar bebês na barriga com sete, oito, nove meses, não quero fazer parte dessa sociedade. Em nenhum momento a gente falou em benefício de saúde. Sabe por quê? Não tem. Mostrei em diversos artigos dizendo que há o feticídio, o termo que a gente utiliza. Ele não melhora em nada a progressão do procedimento de interrupção da gravidez”, pontuou Câmara.
O secretário também “rebateu” políticos de esquerda que consideram o aborto como uma questão de saúde pública no Brasil. Segundo Câmara, levar a gravidez indesejada até o fim não faria diferença para a mulher vítima de violência.
“O número de mulheres que faleceram por aborto, por qualquer motivo em 2019, é de 47. Quantos deles são ilegais? É impossível saber, porque não tem esse dado. Com muita boa vontade, metade desse número seria por aborto ilegal. Isso é um problema grave de saúde pública? Por outro lado, seria matar milhares de bebês. Muitas das mulheres que morrem por aborto morrem por hemorragia, por não ter acesso adequado a uma maternidade. Com isso a gente vai resolver, e não como foi durante anos, que só se falava sobre aborto, aborto, aborto, e não sobre infecção, hipertensão, que é o que realmente mata as mulheres no nosso país”, acrescentou.
O secretário já se posicionou em momentos anteriores contra a legalização do aborto e a favor de métodos que limitem o acesso de mulheres que tenham sido vítimas de estupro. Câmara ainda é favorável a adotar um taxativo de doenças que possam comprometer a saúde de gestantes, limitando o acesso de mulheres que precisarem do aborto legal por estar em gravidez de risco.
“Em relação aos benefícios emocionais, não há. Legais, não consigo nem dizer o que seria um benefício legal. Dizer que há benefícios éticos em se matar um bebê viável dentro da barriga, não consigo entender”, concluiu.
ENTENDA O CASO
A publicação do manual Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento foi elaborado pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde (Saps), comandada pelo ginecologista Raphael Câmara Medeiros Parente. O texto defende o argumento de que “todo aborto é um crime”, e as situações previstas em lei que permitem a adoção do procedimento são “excludentes de ilicitude” em que a punição não é aplicada.
No entendimento da pasta, além de gestações e partos sem risco, destaca-se, na página 12, a importância da “maximização da obtenção de crianças saudáveis, sem a promoção da interrupção da gravidez como instrumento de planejamento familiar”. O capítulo 3, Aspectos ético-profissionais e jurídicos do abortamento, finaliza com a afirmação de que o Estado brasileiro concorda, há mais de 30 anos, com acordos globais que recomendam a “prevenção de abortos de qualquer forma com o intuito de fortalecer famílias e crianças, protegendo a saúde de mulheres e meninas”.
A argumentação reforça o posicionamento contrário à prática de aborto reafirmado continuamente pelo Governo Federal. Um dos mais frequentes porta-vozes da posição é o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Instituições como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), a Rede Médica pelo Direito de Decidir, a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras e o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) repudiaram o documento.