Em meio a polêmicas sobre os possíveis efeitos colaterais de vacinas anticoronavírus, a imunização de crianças de 5 a 11 anos contra a covid-19 já começou. Segundo orientação do Ministério da Saúde, a vacinação contra a doença não é obrigatória — seja para adultos ou crianças. No entanto, a controvérsia em torno da imunização infantil preocupa as famílias. Diante de tantas incertezas veio a discussão: pais que não vacinarem os filhos podem perder a guarda dos pequenos? Sandres Sponholz, promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná, afirma que não.
De acordo com Sponholz, o parágrafo primeiro do artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define: é obrigatória a vacinação de crianças em casos recomendados por autoridades de saúde. “Essa autoridade é do Ministério da Saúde”, disse o especialista, ao mencionar o artigo terceiro da Lei 6.259/75, que estabelece a competência do órgão do Poder Executivo na vacinação.
O promotor ressalta que a pasta não incluiu as vacinas pediátricas contra o novo coronavírus no Plano Nacional de Imunização, que tem um calendário básico listando os imunizantes que as crianças têm de tomar por lei. Dessa forma, as vacinas contra a covid-19 para crianças não são obrigatórias.
Na avaliação do promotor, os pais têm o direito de zelar pela segurança dos filhos. Portanto, isso inclui prevenir que, no futuro, as crianças possam ter reações colaterais adversas de um produto ainda em estudo. Sponholz ressaltou que as mais recentes pesquisas sobre a pandemia informam que a morte de crianças pelo novo coronavírus é baixa, outro argumento para os pais.
A juíza Ludmila Lins Grilo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, vai na mesma linha. Em uma postagem no Instagram, a magistrada endossa o que pensa o promotor e acrescenta que não cabe ao Conselho Tutelar, prefeitos, delegados, entre outros agentes públicos, avançarem contra famílias que optem por não vacinarem os filhos. Para ela, trata-se de “abuso de autoridade”.
Risco de denúncia contra pais que não vacinarem os filhos
O clima de denuncismo ficou evidente depois que Iberê Dias, juiz da Vara da Infância e Juventude de Guarulhos (SP), incitou denúncias contra pais que não vacinarem os filhos contra a covid-19. “Sem dúvida, deve denunciar”, afirmou o magistrado, em uma entrevista à TV Cultura. “Ainda que os pais se definam como antivacinas, que aleguem alguma escusa religiosa, filosófica, moral ou o que quer que seja que valha para adultos não se vacinarem”.
Ludmila alerta: “O agente (juiz, promotor, delegado, prefeito, Conselho Tutelar, etc) que perseguir qualquer pai e mãe pela escolha de não vacinar os filhos incide nos crimes dos artigos 30 e 33 da Lei 13.869/19, que trata do abuso de autoridade”. Ludmila sustentou ainda que o agente público pode ter que pagar indenizações na esfera civil a famílias perseguidas.
“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”, afirmou Ludmila, em referência ao artigo 15 do Código Civil. “E aos preceitos de Direitos Humanos garantidos pelo Código de Nuremberg”. O dispositivo internacional diz que “pessoas que serão submetidas a um experimento devem ser capazes de dar consentimento”.
Consequências futuras
Dircêo Torrecillas Ramos, jurista e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, avalia que a possibilidade de se retirar a guarda de crianças traz malefícios para a vida da criança e dos pais. O jurista lembra que o artigo 229 da Constituição Federal também garante que os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. “Por isso, os pais não podem ser punidos com a retirada da guarda”, constatou.