O presidente Jair Bolsonaro revelou os bastidores da posição do Brasil em relação à operação militar da Rússia na Ucrânia
Nesta segunda-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestou sobre a operação militar russa na Ucrânia, dizendo que o Brasil tem que “continuar nessa política de se aproximar de todo mundo e lutar pela paz”.
“Vamos resolver o assunto, mas não vai ser na pancada. Afinal você está tratando com uma das maiores potências nucleares do mundo de um dos lados”, declarou Bolsonaro durante entrevista à Jovem Pan. “Essas coisas não se resolvem com soco na mesa.”
O presidente disse que não interessa ao Brasil antagonizar com Moscou, uma vez que “temos uma dependência enorme dos fertilizantes da Rússia”, essenciais para o agronegócio. Bolsonaro ainda lembrou o apoio recebido da Rússia quando, segundo ele, países da OTAN consideraram relativizar a soberania brasileira sobre a Amazônia.
“Queriam dizer que a autonomia da Amazônia não seria mais nossa, que seria de um pool de países. Quem disse que a Amazônia era nossa foi o presidente Putin […] Se países como EUA, França, Reino Unido querem relativizar e a Rússia não, vamos abrir mão disso? Vamos assumir o lado daqueles que querem relativizar a soberania da Amazônia?”, declarou Bolsonaro.
Apesar da aparente convicção do presidente da República, a posição brasileira em relação à operação militar russa na Ucrânia pode sofrer modificações.
“Os acontecimentos do dia 24 de fevereiro podem levar o Brasil a reavaliar sua posição, mas com alguns solavancos, mostrando que existe ainda um racha entre diversos setores do governo”, disse à Sputnik Brasil a professora de Relações Internacionais da Unifesp e dos programas de pós-graduação em RI da UFRJ e Santiago Dantas, Cristina Pecequilo.
Brasil na ONU
Para Pecequilo, a entrada do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, em janeiro de 2022, como membro não permanente, inaugura uma nova fase da política externa do governo Bolsonaro. Durante reunião do conselho, em 25 de fevereiro, o Brasil votou ao lado dos EUA para condenar a operação russa.
“Porém, foi uma manifestação bastante interessante, pois o Brasil conseguiu retomar uma linha de política externa que sempre defendera há muitos anos, e somente no pós-2019 vinha sendo quebrada”, considerou. “Essa linha política é pragmática e realista, na qual é necessário fazer uma defesa veemente do multilateralismo […] mas, ao mesmo tempo, fazer uma posição claramente em defesa da soberania.”
Em entrevista nesta segunda-feira (28), o presidente Bolsonaro disse que o Brasil trabalhou para que a resolução do Conselho de Segurança da ONU fosse abrandada.
“Houve participação ativa do Brasil, junto com os EUA, para que a resolução fosse amenizada. Se você lê a resolução, ela não condena a Rússia. Ela é bastante amena”, revelou Bolsonaro.
As Nações Unidas voltaram a debater a operação militar russa na Ucrânia nesta segunda-feira (28), desta vez em sessão extraordinária da Assembleia Geral da ONU.
O representante do Brasil na organização, embaixador Ronaldo Costa Filho, pediu que medidas como sanções econômicas e ataques cibernéticos fossem reavaliadas, em prol de um cessar-fogo.
“Ao longo dos últimos anos, assistimos à deterioração progressiva da situação de segurança e do equilíbrio de poder no leste da Europa. O enfraquecimento dos Acordos de Minsk por todas as partes, assim como o descrédito das preocupações de segurança vocalizadas pela Rússia prepararam o terreno para a crise que estamos testemunhando”, disse o embaixador brasileiro. “No entanto, quero deixar claro que essa situação não justifica de forma alguma o uso da força”.
Garantias de segurança
A declaração do embaixador mostra que o Brasil é sensível às demandas russas por garantias de segurança. Em janeiro, a Rússia demandou que o ocidente respondesse às suas preocupações em relação a temas como a expansão da aliança militar OTAN para o leste e a falta de acordos de controle de armas no espaço europeu.
O pesquisador e membro do grupo de pesquisas sobre BRICS da Universidade de São Paulo (GEBRICS), Valdir da Silva Bezerra, lembra que o Brasil nem sempre possui posições claras em relação a assuntos de interesse da Rússia.
“O Brasil pareceu sensível, de fato, às demandas russas […] entretanto o país não possui uma posição contundente em relação à expansão da OTAN para o leste”, disse Bezerra.
Por outro lado, em declarações recentes no BRICS, o Brasil lamentou a interrupção de acordos de controle de armas entre EUA e Rússia, essenciais para a estabilidade estratégica.
Em seu discurso desta segunda-feira (28), o embaixador Ronaldo Costa Filho lembrou que “uma solução pacífica da crise não é apenas a cessação das hostilidades. Trata-se de criar as condições para uma maior sensação de segurança entre todos os envolvidos”.
“O nosso embaixador Ronaldo foi cauteloso, e tem que ser cauteloso mesmo”, corroborou o presidente Jair Bolsonaro. “Alguns querem que eu dê um soco na mesa e dizer que o Brasil está daquele ou desse lado.”
Relações com a Ucrânia
O presidente brasileiro revelou ter sido alvo de críticas em documento supostamente emitido pelo presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira. Bolsonaro não citou nominalmente o signatário da carta, mas, de acordo com o site da organização, seu presidente é o médico Afonso Antoniuk.
Segundo Bolsonaro, o documento está “cheio de lição de moral” e seria “extremante infantil, tanto que eu acho que não é nem verdadeiro”.
“Conversei com [o ministro das Relações Exteriores] Carlos França e vamos abrir a possibilidade de ucranianos virem para o Brasil através de visto humanitário”, revelou o presidente. “Nós faremos todo o possível para receber o povo ucraniano que porventura queira vir para cá, vamos facilitar a vida deles.”
Manter o equilíbrio diplomático entre Ucrânia e Moscou é um dos principais desafios da diplomacia bolsonarista. Mas, de acordo com Bezerra, a posição atual do Brasil pode dificultar as relações com Kiev.
“Vejo sim essa possibilidade de algum dano a essas relações com Kiev”, disse Bezerra. “Isso pode inclusive ter consequências para os próximos governos brasileiros, sendo Bolsonaro reeleito ou não.”
Para Bezerra, a posição do presidente brasileiro sugere que ele quer “atingir alguns dos objetivos que foram declarados, durante a sua visita a Moscou, de ampliação da colaboração em áreas como exploração de petróleo e gás, agricultura […] tecnologia e elementos para reatores nucleares”.
Sanções econômicas
Outra decisão que os diplomatas brasileiros deverão tomar em breve é sobre a adesão do país ao pacote de sanções contra a Rússia.
Tradicionalmente, o Brasil não apoia sanções econômicas que não tenham sido aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU. No entanto, a pressão por parte de países como Estados Unidos, Reino Unido e Ucrânia para que Brasília tome medidas econômicas é grande.
Nesta segunda-feira (28), o presidente Jair Bolsonaro revelou que “as informações que nós temos é que vários países querem sanções, desde que aquilo que eles importam da Rússia não entre nesse pacote. Vários países europeus tocam sanções, desde que não afete o gás. O americano quer sanções, desde que não afete alumínio e petróleo.”
“Nenhum país quer que as sanções atinjam a si próprio, e o Brasil não é diferente disso”, disse Bolsonaro. “Se tiver sanções econômicas em cima [de fertilizantes] o nosso agronegócio será duramente afetado.”
Para Bezerra, a adesão do Brasil a um pacote de sanções teria impacto pouco significativo e não causaria grandes prejuízos à Rússia.
“Eu vejo como muito remota essa possibilidade, apesar de ela existir sim, porque os EUA vão pressionar seus aliados e parceiros mais próximos, inclusive no continente americano, para se aliarem às sanções”, disse o pesquisador.
Nova resolução das Nações Unidas sobre a operação militar russa na Ucrânia está sendo negociada no âmbito da Assembleia Geral da organização e poderá ser votada ainda nesta terça-feira (1º).