De acordo com a decisão, a fundação “não deve desacreditar a trajetória” dos desaparecidos
A juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível da Justiça Federal no Amazonas, determinou que a Fundação Nacional do Índio (Funai) não desacredite a trajetória do indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, desaparecidos na região do Vale do Javari, na Amazônia, há dez dias.
A magistrada ainda determinou que o órgão se abstenha de praticar qualquer ato que “possa ser considerado atentatório à dignidade dos desaparecidos” ou que implique em “injusta perseguição” à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) ou aos servidores da Funai lotados na Coordenação Regional do órgão.
O despacho atende um pedido da Defensoria Pública da União, que questionou uma nota em que a Funai contestou a autorização do indigenista Bruno Pereira para entrar na Terra Indígena Vale do Javari. No mesmo texto, o órgão afirmou que iria acionar o Ministério Público Federal para apurar a responsabilidade da Univaja quanto à possível aproximação com indígenas de recente contato sem o conhecimento da instituição e, aparentemente, sem a adoção das medidas sanitárias cabíveis, entre elas, a realização de PCR e de quarentena de 14 dias.
Na avaliação de Jaiza, a nota da Funai tem “cunho agressivo” à Univaja e seu teor “desafia todos os princípios e normas do ordenamento jurídico constitucional, infraconstitucional e supralegal sobre o tema”.
A juíza federal acolheu as alegações da DPU, ponderando que o posicionamento da Funai, “no bojo de uma tragédia revelada pelo desaparecimento de duas pessoas defensoras dos direitos indígenas, é violadora de direitos humanos, é inoportuna, é indevida e seu conteúdo não é compatível com a realidade dos fatos e com as normas em vigor”.
A magistrada ainda rebateu trecho específico da nota, no qual a Funai diz que acionaria o MPF contra a Univaja. Para Jaiza, numa “inversão de lógica”, o órgão pretende atribuir à entidade o “desaparecimento de duas pessoas (e a elas próprias) porque não fizeram teste de PCR e quarentena de 14 dias”.
De acordo com a decisão dada na noite desta terça-feira (14), a Funai ainda terá de retirar imediatamente de seus veículos oficiais de mídia a nota de esclarecimento questionada no processo, pelo fato de o texto “conter afirmações incompatíveis com a realidade dos fatos e com os direitos dos povos indígenas”.
Jaiza ainda determinou que o órgão adote medidas tendentes a providenciar o envio imediato de forças de segurança pública específicas para garantir a integridade física dos seus servidores e dos povos indígenas em todas as Bases de Proteção do Vale do Javari – Quixito, Curuçá e Jandiatuba, bem como as sedes das CRs do Vale do Javari e Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari.
A decisão de Jaiza foi dada na noite desta terça-feira (14), horas após a Polícia Federal (PF) informar ter prendido mais um suspeito de participação no desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Philips: o pescador Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como Dos Santos, que vive perto do local onde a mochila do repórter foi encontrada.
Ele é irmão do também pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado, o primeiro preso pela PF na investigação. Testemunhas relataram aos policiais federais que os dois saíram de barco em alta velocidade atrás de Bruno e Dom no dia do desaparecimento.
FUNAI SE DEFENDEU DAS CRÍTICAS
Na noite de segunda (13), antes da decisão da juíza, a Funai já tinha divulgado nota rebatendo críticas à sua atuação na busca dos desparecidos. A Funai informou que, “diferente do que vem sendo propagado por veículos de imprensa, tem trabalhado intensamente nas buscas aos desaparecidos na região do Vale do Javari (AM), na Amazônia. Além disso, a Fundação realiza ações permanentes e contínuas de monitoramento, fiscalização e vigilância territorial na Terra Indígena Vale do Javari em conjunto com órgãos ambientais e de segurança pública competentes”.
O texto detalhou diversas medidas que foram adotadas pela Funai e ressaltou ainda que a fundação “apoia as buscas de forma incessante desde que foi informada do desaparecimento, sendo que quatro embarcações são empregadas nos trabalhos, com o envolvimento de 14 servidores. Os pertences das vítimas foram encontrados com auxílio dos servidores da Funai em campo”.