Pesquisadores estão analisando melhores formas de lidar com algumas doenças que têm diagnóstico lento
Os pacientes do Hospital Johns Hopkins com suspeita de derrame podem agora terem seus rostos filmados pelos médicos. O objetivo é identificar os pacientes com AVC pelas características faciais, em vez de esperar por exames cerebrais ou exames de sangue, ajudando a acelerar o tratamento e a recuperação.
A equipe do Johns Hopkins está treinando algoritmo para reconhecer mudanças nas características dos pacientes, como a paralisia de certos músculos faciais ou movimentos oculares incomuns, que podem indicar danos ao cérebro causados por derrame, em oposição a convulsões, enxaquecas graves ou transtornos de ansiedade.
“O rosto é provavelmente um dos sistemas de sinalização mais sofisticados do universo”, diz Robert David Stevens, diretor de medicina de precisão e chefe da divisão de informática, integração e inovação da Johns Hopkins School of Medicine. “Talvez possamos realmente medir o que está acontecendo e então alavancar técnicas analíticas avançadas e inteligência artificial para processar grandes quantidades de informações e gerar novos insights.”
Os vídeos são enviados para banco de dados usado para treinar o algoritmo. Os pesquisadores inscreveram cerca de 120 dos 400 pacientes planejados no estudo preliminar e esperam treinar o algoritmo de detecção de AVC para melhorar sua precisão.
Em estudo preliminar com 40 pacientes que já haviam sido diagnosticados por um médico, o algoritmo foi 70% preciso ao diagnosticar se um paciente teve ou não derrame.
Enquanto isso, outros pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts estão analisando o reconhecimento facial para diagnosticar a progressão da esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa dos nervos que afeta os músculos. E uma startup com sede na Flórida desenvolveu ferramenta para ajudar os pediatras a diagnosticar condições genéticas raras, analisando imagens das características faciais das crianças.
A equipe está trabalhando com o EverythingALS, grupo de pacientes sem fins lucrativos que faz parte de fundação criada para acelerar métodos de diagnóstico e possíveis curas para a doença. O grupo é criação de Indu Navar, empresária de tecnologia cuja busca por diagnóstico de ELA mais rápido é algo pessoal.
Em 2016, seu marido Peter Cohen, ex-executivo da Amazon, sentiu o tornozelo enfraquecer e teve dificuldade para andar. Um quiroprático disse-lhe para consultar um neurologista, que lhe disse para esperar e ver se havia desaparecido ou se era resultado de infecção viral.
“Levamos dois anos para o diagnóstico”, diz Navar. “Ele continuou a se deteriorar e nos disseram ‘vamos esperar para ver’”. Cohen foi finalmente diagnosticado com ELA e morreu em 2019 aos 52 anos.
Nas últimas semanas da vida de Cohen, ele e sua esposa conversaram sobre como melhorar o diagnóstico de ELA por meio de tecnologia de imagem e IA. Ela até o filmou caminhando na esperança de entender a progressão da doença.
“Queremos encontrar melhores maneiras de medir os sintomas e melhores maneiras de saber se um medicamento está funcionando”, disse Ernest Fraenkel, professor de engenharia biológica do MIT, que está trabalhando com o EverythingALS.
Fraenkel e seus colegas desenvolveram algoritmo para analisar o vídeo de pacientes com ELA para rastrear movimentos faciais, medir o espaço entre os lábios (indicador precoce de um possível diagnóstico) e mudanças nos padrões de fala.
O grupo recrutou mil voluntários nos últimos 18 meses. A equipe está tentando determinar se pode dizer se um dos três medicamentos aprovados para o tratamento dos sintomas da ELA está funcionando ou não.
Apesar dos resultados iniciais promissores, o uso da IA hoje é mais uma ferramenta do que uma cura, diz Fraenkel. “O diagnóstico precoce é difícil, mas há fortes evidências de que funcionará eventualmente.”
Saúde + reconhecimento facial = futuro?
Alguns especialistas médicos, contudo, dizem que essas tecnologias não estarão prontas para uso generalizado até que os médicos e seus pacientes possam avaliar como os algoritmos de reconhecimento facial tomam decisões com os dados do paciente para que os humanos possam confiar melhor em seus resultados.
Os primeiros esforços de pesquisa apontam para futuro em que as varreduras faciais, embutidas na câmera de um smartphone ou mesmo no espelho do banheiro, podem monitorar nossa saúde geral enquanto captam sinais de doenças neurológicas de longo prazo, como a demência.
Alguns pesquisadores acreditam que algoritmos podem até ser usados para rastrear o desempenho de tratamento ou medicamento, detectando mudanças no rosto de uma pessoa.
“O problema é fazer com que as pessoas ajam com base nos dados e confiem neles”, diz Ken Stein, diretor médico da Boston Scientific, empresa biomédica que usa algoritmos de IA em seus monitores cardíacos para prever o risco de insuficiência cardíaca em alguns pacientes.
Até agora, a aplicação mais bem-sucedidas de inteligência artificial na medicina é quando um médico usa programa de software de IA que pode interpretar imagens – como raio-X ou outros tipos de exames – e o profissional pode dizer imediatamente se concorda ou discorda do programa, segundo Stein. Nesses casos, a IA atua como backup para o diagnóstico do médico.
“Se você fizer um monte deles, aprenderá se pode ou não confiar nele”, diz o médico sobre a análise de imagens de raio-X.
Como a IA lida com condições de saúde com múltiplas causas – como doenças cardíacas, câncer ou demência – os cientistas da computação que desenvolvem os algoritmos terão que trabalhar em estreita colaboração com os médicos para explicar como a IA toma suas decisões que levam ao seu diagnóstico, observa Stein.
Reconhecimento facial na história
Desenvolvida pela primeira vez no início dos anos 1970, a tecnologia de reconhecimento facial decolou no começo dos anos 1990, quando uma equipe do MIT traduziu imagens faciais em série de números que podiam ser entendidos por computador.
Nas últimas décadas, pesquisas financiadas pelo Pentágono para melhorar a tecnologia de reconhecimento facial foram amplamente adotadas pela polícia para identificar suspeitos de crimes.
No entanto, grupos de direitos civis levantaram preocupações de que alguns programas de reconhecimento facial sejam tendenciosos, pois foram menos precisos na identificação de pessoas com pele mais escura, levando a prisões falsas. O Facebook encerrou seu programa de reconhecimento facial em 2021, citando preocupações com a privacidade dos usuários.
Apesar dessas preocupações, os pesquisadores esperam usar a inteligência artificial para identificar os primeiros sinais de risco de derrame e outras condições neurológicas antes que aconteçam e diagnosticar o evento depois que ele ocorrer.
“Podemos aproveitar o rosto como uma espécie de janela decodificável sobre o que está acontecendo dentro do corpo?” diz Stevens.
O médico diz que a equipe também está examinando os sinais vitais de uma pessoa, como pressão arterial e frequência cardíaca, analisando como uma fonte de luz direcionada reflete na pele de seus rostos, que varia ligeiramente dependendo do fluxo sanguíneo sob a superfície da pele.
“O rosto de todo mundo está realmente oscilando em cores de forma muito imperceptível, o que pode ser detectado com uma câmera. Usando algoritmo muito simples, você pode inferir os batimentos cardíacos, o quão regular é esse batimento cardíaco, o nível de oxigênio no sangue e até a pressão sanguínea”, disse Robert David Stevens, diretor de medicina de precisão e chefe da divisão de informática, integração e inovação da Johns Hopkins School of Medicine.
A empresa de biotecnologia FDNA desenvolveu software que visa usar o reconhecimento facial para diagnosticar condições genéticas raras em crianças pequenas.
A plataforma Face2Gene permite que um médico carregue escaneamentos do rosto de um paciente para um app e obtenha recomendação sobre se a imagem pode indicar uma das 1,5 mil condições ou síndromes associadas a características faciais.
A plataforma conta com 47 mil usuários, entre geneticistas, neurologistas, pediatras e pesquisadores. O benefício é a detecção precoce, segundo o porta-voz da FDNA, Erik Feingold.