Colunista do jornal tem usado palavra com frequência ao longo do governo do atual presidente
Termo utilizado em episódios recorrentes no que parece ser uma tentativa de evitar se referir a uma “melhora” dos indicadores do Brasil, a palavra “despiora” voltou a figurar em um texto do jornal Folha de São Paulo. Em artigo assinado pelo jornalista Vinicius Torres Freire, publicado nesta quarta-feira (6), o título da vez é: “Despiora no emprego pode ter ajudado Bolsonaro”.
O site Pleno.News já trouxe outros episódios, em 2020 e em 2021, em que a palavra foi utilizada em textos do veículo. Porém, em um levantamento feito a partir do mecanismo de pesquisa do jornal, é possível perceber que as utilizações desse termo pela publicação é muito maior do que as registradas.
Apenas em artigos assinados por Freire, são ao menos 89 ocasiões em que a palavra aparece. A primeira delas data de março de 2009, em um artigo a respeito da economia do país. Desde então, o jornalista tem feito o uso do “despiora”, ou de suas variações, em inúmeras colunas. Além dele, outros jornalistas da Folha também usam a palavra, o que faz com que se chegue a quase 100 textos nesse mesmo período.
Aparentemente, pode até parecer que o “despiora” tem sido utilizado de modo imparcial, já que foi usado também para se referir a outros governos. Porém, a frequência com que Freire a utiliza cresceu exponencialmente desde que Bolsonaro assumiu o governo. Ao menos 44 textos assinados por ele desde 2019 contêm tal palavra, metade das utilizações dos últimos 13 anos.
O QUE DIZEM OS PROFESSORES E ESPECIALISTAS?
Em conversa com o Pleno.News no ano passado, ao analisar uma das ocasiões em que o jornal utilizou a palavra, o doutor em Letras Pablo Jamilk explicou que a palavra “despiora” seria uma forma conjugada do verbo “despiorar”, que tem o uso mais comum no português falado em Portugal, mas que isso não significaria a não existência da palavra.
Segundo Pablo, quando se pensa que poderia ter sido usada a palavra melhorar em vez de despiorar, isso dependeria da intenção de quem escreveu o texto, mas seria importante frisar que as duas palavras não são tão aproximadas em sentido. Na prática, despiorar significaria parar de piorar, ou piorar um pouco menos.
O professor de Língua Portuguesa Rogério Batalha, por sua vez, destacou que, pelo fato de a palavra não estar nos dicionários, ela poderia ser caracterizada como um termo inventado, ou um neologismo.
“Despiorar, no sentido de tornar ou ficar menos pior, pelo que me parece, ela não está dentro de um padrão culto. Ela [a palavra] está muito próxima de um neologismo, uma palavra inventada, do que de uma palavra dicionarizada. Então, à princípio, eu acho que ela não existe enquanto padrão culto”, destacou.
O “DESPIORA” DA VEZ
No texto publicado nesta quarta-feira, Torres Freire fala do número de pessoas com emprego neste início de ano, que voltou ao nível de 2020, ainda antes do início da pandemia. Logo no começo do artigo, o colunista questiona se esse índice seria o responsável pela melhora de Bolsonaro nas pesquisas recentes de intenção de voto.
Na sequência, o colunista diz, porém, que “o salário caiu pavorosamente” e que “seria temerário tentar explicar variações de prestígio político por variações de indicadores econômicos, ainda mais quando as mudanças não são lá grandes”.
Voltando para a seara política, o colunista ainda ressalta que “quanto mais Bolsonaro crescer nas pesquisas, menores as chances de um candidato” da terceira via ou de Ciro Gomes (PDT) conseguirem algum espaço na pesquisa. O jornalista diz também que até Lula pode contribuir para a consolidação de Bolsonaro, dadas as declarações recentes.