Nicolás Maduro teve encontro com assessor especial da Presidência, Celso Amorim
A dívida de quase 682 milhões de dólares (R$ 3.558,06 bilhões) que a Venezuela tem com o governo brasileiro foi um dos assuntos do encontro do assessor especial da Presidência, Celso Amorim, com o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, na última quarta-feira (9).
Amorim visitou Maduro no Palácio de Miraflores, sede do governo venezuelano, em Caracas. Foi o primeiro encontro institucional divulgado entre autoridades dos dois países desde a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo Amorim, há disposição por parte da ditadura da Venezuela em ressarcir os cofres brasileiros, embora os detalhes sobre o pagamento não tenham feito parte da conversa em Caracas.
“Não sei se é dívida só com o BNDES. Há uma questão de seguro de crédito. Mas não fui com uma missão técnica, fui apenas com dois assessores diretos. Não houve nenhum esboço de negação da dívida e há total disposição de acertar. Não me cabia conversar se vai acertar em uma vez, duas vezes, mas há disposição em reprogramar e ressarcir”, afirmou Amorim ao jornal Estadão.
A ditadura da Venezuela tem um total de 682 milhões de dólares em pagamentos atrasados de sua dívida com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), conforme dados atualizados até dezembro de 2022 e disponíveis no site da instituição de fomento. Dos atrasados, a maior parte, 658 milhões de dólares, já foram cobertos pelo FGE, o fundo de garantias do Tesouro Nacional. A Venezuela ainda tem 123 milhões de dólares em parcelas da dívida a vencer.
O BNDES chegou a contratar 2,970 bilhões de dólares em financiamentos para obras no país vizinho, mas, desse valor, foi liberado 1,507 bilhão de dólares. O site do BNDES lista sete obras públicas venezuelanas tocadas por construtoras brasileiras, com financiamento do banco de fomento.
A viagem de Amorim à Venezuela foi organizada sob discrição no governo Lula. Segundo o assessor especial da Presidência, também foi conversado sobre a realização de eleições no país no ano que vem.
RELAÇÕES
Durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil apoiou a estratégia internacional de pressão máxima (quando países começam a adotar sanções, por exemplo, ou outras medidas unilaterais) sobre o regime chavista, que passou pelo reconhecimento de Juan Guaidó, opositor, como presidente interino da Venezuela. Antes mesmo de tomar posse, Lula já havia indicado que adotaria uma política diferente da de Bolsonaro e que abriria canal de diálogo com Maduro.
“Foi uma visita para ter o contato, mostrar que a gente tem interesse em ter uma relação importante, contribuir com uma retomada, na medida das nossas possibilidades, econômica; conversar sobre estabilidade política e também sobre a democracia. É um processo que já está em curso, o diálogo”, afirmou Amorim, ministro das Relações Exteriores durante os dois primeiros mandatos de Lula, de 2003 a 2010.
E acrescentou:
“Ninguém ignora que há problemas, mas há um diálogo hoje como não havia antes. Todos estão voltados para a eleição e não para a derrubada de governo, e há um interesse em facilitar investimentos na Venezuela. As pessoas estão andando, circulando e olhando para uma solução”.
Em nota enviada ao Estadão, o BNDES afirma que procurará Amorim para “entender como se deram as conversas” com Maduro. “A atual diretoria do BNDES não foi, até o momento, formalmente informada sobre a disponibilidade de a Venezuela retomar os pagamentos. Entretanto, buscará atuar em conjunto com o governo federal na direção de restabelecer o fluxo de pagamentos dos financiamentos”, afirmou o banco, na nota.
POLÍTICA EXTERNA
Nesta semana, o posicionamento da política externa brasileira sobre regimes autoritários na América Latina teve repercussão nacional e internacional, depois que o Brasil decidiu não endossar uma declaração no Conselho de Direitos Humanos da ONU com condenações ao regime do ditador Daniel Ortega, na Nicarágua
Segundo Amorim, o Brasil não vai se juntar a grupo que defenda sanções. “Estamos nos posicionando de maneira clara, mas o objetivo não é apenas mostrar o dedinho e criticar. Criticando, se necessário, manifestando preocupação, mas se possível buscando ajudar”, afirmou. Ele disse ainda que o Brasil reconhece a deterioração da situação na Nicarágua e os crimes contra a humanidade que ocorrem.
BNDES FINANCIOU USINA E METRÔ NO PAÍS
O maior projeto financiado pelo BNDES na Venezuela é a construção da Usina Siderúrgica Nacional, tocada pela empreiteira Andrade Gutierrez. A obra teve um empréstimo de 865 milhões de dólares contratado em 2010. Em meio às investigações da Operação Lava Jato, o financiamento foi suspenso.
Outro projeto de destaque é construção da Linha 2 do Metrô de Los Teques, a cargo da Odebrecht, que recebeu empréstimo de 862 milhões de dólares. Esse financiamento também foi suspenso.
Sobre as obras, pairam suspeitas de corrupção, envolvendo a contratação das construtoras pelo governo venezuelano. Desde que as operações passaram a ser questionadas, o BNDES vem dizendo que seguiu todas as regras para a concessão de financiamento para o comércio exterior. Como as dívidas tinham a garantia do FGE, fundo do Tesouro Nacional, o banco seguiu as condições financeiras definidas pelo governo federal para esse tipo de operação.
No total, o BNDES desembolsou 10,5 bilhões de dólares em financiamentos a obras no exterior, em 15 países, desde o fim dos anos 1990. Angola foi o país que mais recebeu empréstimos. A Argentina foi o segundo país que mais recebeu – e ainda tem uma parcela final de 29 milhões de dólares para quitar.
Empreiteira com mais contratos no exterior, a Odebrecht ficou com 7,984 bilhões de dólares, 76% do total.