Depois de 500 dias na cadeia, o ex-presidente foi reabilitado pelo STF, ganhou a eleição e vai comandar em Brasília uma filial do bloco de esquerda da América Latina
A partir deste domingo, 1° de janeiro, Luiz Inácio Lula da Silva será o presidente da República. Derrotado em 1989, 1994 e 1998, vitorioso em 2002 e 2006, Lula conseguiu o terceiro mandato com o apoio de antigos adversários e ao fim de um processo eleitoral maculado por interferências do Judiciário e pela militância explícita da velha imprensa, interessada nas fatias milionárias da publicidade oficial que foram drasticamente reduzidas durante o governo de Jair Bolsonaro.
Aos 77 anos, Lula obteve 51% dos votos, contra 49% de Bolsonaro. Pelo que disse e fez desde a divulgação dos resultados do pleito, o novo presidente não está preocupado com o cenário político que escancara um Brasil dividido ao meio. Depois de celebrar a posse com uma longa programação festiva, Lula terá de lidar — pela primeira vez — com uma oposição real e com o descontentamento de milhões de brasileiros.
É possível que sua posse seja um festival pirotécnico para a imprensa que tanto torceu por esse dia. Mas a oposição nas ruas tende a ser maior do que os militantes dentro das redações. Como a velha mídia vai — e se vai — conseguir separar a paixão política dos fatos é uma incógnita. O petista já avisou que estará ao lado dos companheiros do Foro de São Paulo. Entre eles, o ditador venezuelano Nicolás Maduro. São caçadores de liberdades individuais e especialistas em fidelizar massas com uma tornozeleira de dependência do Estado.
O comportamento do Supremo Tribunal Federal também é incerto. A primeira análise pós-urnas de que os togados jogarão ao lado de Lula pode não se confirmar. Quem acompanhou os passos da Corte nos últimos anos sabe que o protagonismo dos ministros na Praça dos Três Poderes é cláusula pétrea. Há um autoproclamado e inconstitucional Poder Moderador em curso no país. Talvez Lula enfrente um choque de vaidades.
Se o petista terá, de fato, uma oposição robusta no Congresso Nacional, não se sabe. Pelo histórico de balcão de negócios e rotina de cassino, é pouco crível que isso se concretize. O Poder Legislativo está de joelhos, é assombrado pelo passado de corrupção e continua muito mal representado. É difícil acreditar que de lá já saiu uma Constituição. Ou o eleitor reage, ou seguirá condenado a conviver com Rodrigos Pachecos, Renans Calheiros e Randolfes Rodrigues.
Lula foi eleito porque, aqui, a Justiça não funciona. Hoje, é o Supremo quem decide o que pode ou não pode no país. Figuras como procurador de Justiça, deputado ou juiz de carreira passaram a ser quase decorativas. Talvez nunca mais o país tenha uma operação anticorrupção da magnitude da Lava Jato. Foram tempos difíceis para o establishment. Mas passou e todos eles estão de volta à cena do crime, como diria Geraldo Alckmin, que aproveitou e também embarcou no bonde.
O fato é que, quando a micareta que a primeira-dama, Janja, preparou em Brasília acabar, restará só um cheiro bem conhecido: o Brasil velho está de volta.