Era tudo encenação. A falsa eleitora de Jair Bolsonaro é, na verdade, a streamer Marina Mamede, de 32 anos, uma das parceiras de Janones na empreitada eleitoral
Muitas das notícias falsas que varreram as redes sociais com ataques ao candidato do PL foram produzidos por uma equipe de jovens militantes. Uma delas, a streamer Marina Mamedes, mora no interior de Minas Gerais, tem 32 anos e gravou o famoso vídeo em que se passava por uma bolsonarista arrependida. Num “depoimento” emocionado, divulgado a 20 dias do segundo turno, ela afirmava ter descoberto que seu ídolo, Jair Bolsonaro, havia sucumbido a tentações anticristãs e se aliado à maçonaria.
Uma das produções de maior sucesso da milícia lulista foi a divulgação do depoimento em vídeo de uma eleitora que descobriu que seu ídolo, Jair Bolsonaro, havia sucumbido a tentações anticristãs e se aliado à maçonaria. “Não consigo descrever para vocês a minha tristeza. Eu sempre fui fiel a Deus e ao nosso capitão. E hoje eu acordei com uma das piores notícias da minha vida. Jair Messias Bolsonaro, o nosso capitão, é da maçonaria”, diz ela.
Divulgada a três semanas da eleição, a peça foi visualizada mais de 350 000 vezes no TikTok. Em plano fechado e com pausas dramáticas antes do que viria a ser uma importante revelação aos eleitores do presidente, a bolsonarista arrependida, com uma voz chorosa, afirma que, por causa das relações do mandatário com atividades pretensamente pecaminosas, mudaria seu voto para Lula no segundo turno.
Entremeada por imagens de bruxas em fogueiras e por um antigo discurso de Bolsonaro diante de símbolos que conservadores atribuem ao ocultismo, a mulher afirma que “Lula é um verdadeiro cristão”, merecedor, portanto, dos votos dos brasileiros tementes a Deus. Era tudo encenação. A falsa eleitora de Jair Bolsonaro é, na verdade, a streamer Marina Mamede, de 32 anos, uma das parceiras de Janones na empreitada eleitoral. Ela criou um perfil falso nas redes para se apresentar como apoiadora do ex-capitão.
Moradora de Ouro Preto (MG), Mamede atuou na campanha presidencial produzindo conteúdos de ataques à imagem de Jair Bolsonaro. Foi dela, por exemplo, a missão de disseminar imagens da deputada Carla Zambelli, uma das mais ferrenhas apoiadoras do presidente, casando em uma loja maçônica em Brasília. As gravações vieram a público na mesma época em que o grupo também fez viralizar registros de reuniões de Bolsonaro com maçons. Associados a vídeos e memes da parlamentar perseguindo um apoiador de Lula, os posts viraram uma arma poderosa para o contra-ataque petista na guerrilha digital.
“Antes a esquerda passava muito tempo tentando desmentir as fake news difundidas pela extrema direita. Abrimos vantagem quando invertemos esse papel e compreendemos finalmente que as mensagens são acompanhadas apenas por um clique e geralmente não têm sua veracidade questionada porque foram recebidas de pessoas próximas”, disse Mamede a VEJA.
O que fez o PT ter vantagem sobre a base bolsonarista na campanha digital de 2022?
Foi principalmente o entendimento das pautas. Antes, a esquerda passava muito tempo tentando desmentir as fake news difundidas pela extrema direita. Abrimos vantagem quando invertemos esse papel. Desta vez, foi a base bolsonarista que ficou perdendo tempo tentando justificar as pautas que nós lançamos.
Quais foram os aprendizados da militância digital esquerdista nos últimos quatro anos?
Antes, a esquerda usava redes sociais que a grande parte da população não usava. A gente aprendeu que pautar o discurso e difundir a informação é mais importante do que investir tempo justificando o injustificável. Em linhas gerais, o mais importante foi aprender novos métodos de comunicação.
E em relação ao disparo de mensagens em massa? Houve evolução?
Quanto a isso, foi importante se dar conta de que a difusão de informações se faz de forma efetiva dentro do Facebook e do WhatsApp. Compreendemos que as mensagens são acompanhadas apenas por um clique e geralmente não têm sua veracidade questionada porque são recebidas de pessoas próximas. Era preciso entender essa dinâmica para fazer o conteúdo viralizar. Era preciso sair de um local virtual meio academicista para ocupar finalmente as redes populares.
O que motivou esses jovens a se mobilizar em torno dessa causa?
Basicamente medo, cansaço e consciência política. A gente tinha medo da reeleição de Bolsonaro, visto toda represália e ódio que os criadores de conteúdo de esquerda receberam durante esses anos. A gente criou consciência política de cada um precisa fazer o que pode, da forma que pode, para mudar um pouco a nossa realidade para melhor.