Notou algo de diferente no fluxo menstrual após a vacinação contra a Covid-19? Algumas pessoas perceberam o aumento no volume mensal e também sangramentos inesperados. Agora, estudos analisam o impacto da vacina contra o coronavírus na menstruação para ver se há alguma ligação com a alteração no fluxo.
Primeiro, é sempre bom lembrar um grande e antigo problema da indústria farmacêutica: o esquecimento da menstruação. Não foi diferente durante os ensaios clínicos da vacina para enfrentar a pandemia. As empresas esqueceram de incluir questões sobre menstruação nos testes até o momento.
No começo de 2021, quando alguns países iniciaram a vacinação contra a Covid-19, começaram também os relatos das pessoas que menstruam. Eram sangramentos mais intensos que o normal e, por vezes, inesperados. A mudança foi de curta duração, com o ciclo voltando ao normal em até dois meses. Uma dúvida ficou no ar quantas foram afetadas?
Um estudo publicado na revista Science Advances diz que quase metade das pessoas com útero. Foram quase 40 mil adultos entrevistados durante três meses. Cerca de 42% entre quem tem ciclo menstrual regular relataram o sangramento anormal depois da imunização.
A ideia da pesquisa foi de Katharine Lee, antropóloga biológica da Escola de Medicina da Universidade de Washington. Ela se juntou à ecologista reprodutiva humana Kate Clancy, especializada em saúde da mulher, da Universidade de Illinois. Juntas, começaram a coletar os dados em abril de 2021. Por causa da pandemia do coronavírus, as entrevistas foram realizadas pela internet.
“Geralmente, as alterações no sangramento menstrual não são incomuns ou perigosas, mas a atenção a essas experiências é necessária para criar confiança na medicina”, explicaram as pesquisadoras. Elas pediram relatos de alterações do fluxo menstrual a pessoas totalmente vacinadas que não tiveram Covid-19.
Além do percentual de 42% com fluxo mais intenso, outras 44% não relataram alteração. Uma proporção menor teve menstruações mais leves após a vacinação. Uma fração de pessoas que não menstrua por usarem algum método hormonal (71%) ou estão na pós-menopausa (66%) teve sangramento inesperado.
Uma parte do grupo pesquisado viu o aumento no fluxo menstrual, enquanto mais ou menos a mesma quantidade não se alterou.
Nove em cada 10 participantes da pesquisa se identificaram como mulheres. Os outros 10% se identificaram como gênero diverso, sejam homens trans ou pessoas não binárias. As hispânicas e latinas eram mais propensas a relatar o sangramento mais intenso durante o fluxo menstrual.
O estudo se alinha com outros dois, realizados no Reino Unido e na Holanda. Mas, as pesquisadoras alertam que os resultados podem não se generalizar para populações mais amplas e provavelmente superestimam as alterações no fluxo.
“O objetivo disso nunca foi avaliar perfeitamente a prevalência, mas ouvir as pessoas e validar suas preocupações, porque havia muitos que foram rápidos em descartá-las”, disse Clancy, em entrevista ao ScienceAlert. Ela acrescentou que parte das entrevistadas disseram estar felizes por se vacinarem, mas aborrecidas pela alteração na menstruação não ter sido estudada.
A teoria de Lee e Clancy é de que as vacinas mexeram com as vias inflamatórias do corpo, já que havia pouca diferença entre quem menstrua enquanto toma contracepção hormonal e quem não toma. A maneira de desvendar realmente o que acontece é integrar a menstruação aos ensaios clínicos.
“Uma lição importante é que os efeitos das intervenções médicas na menstruação não devem ser uma reflexão tardia em pesquisas futuras”, destacou Victoria Male, imunologista reprodutiva do Imperial College London, em 2021, no British Medical Journal.