Dispositivo que ficou famoso na web não é aprovado pela Anvisa e, mesmo assim, pode chegar a custar R$ 22 mil, segundo médico
Popularmente conhecidos como “chip da beleza”, e antigamente usados com objetivos terapêuticos, os implantes hormonais se tornaram populares nas redes sociais por causa de seus supostos efeitos colaterais positivos, como aumento da libido, ganho de massa muscular e diminuição da celulite. No entanto, os resultados também podem ser negativos e especialistas não recomendam o uso do dispositivo pela falta de dados sobre sua eficácia e segurança.
O ginecologista Alexandre Pupo, dos hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein, explica que o implante hormonal é colocado embaixo da pele e libera seu conteúdo ao longo do tempo.
“Existem várias composições, mas, via de regra, se usa a gestrinona, um hormônio sintético que tem ação androgênica [equivalente aos hormônios sexuais masculinos]. A gestrinona bloqueia o funcionamento dos ovários, levando à parada da menstruação”, detalha. “Às vezes, ela é combinada com a testosterona”, acrescenta.
De acordo com ele, a gestrinona acelera o metabolismo por ser um anabolizante e, portanto, interfere na regulação de massa magra e massa gorda quando age no corpo feminino. “Em altas doses, pode causar hipertrofia muscular e diminuição da gordura”, afirma.
Se tais resultados são vistos como positivos aos olhos da maioria, há também aqueles que são indesejados. Pupo cita o aumento da acne, dos pelos corporais e a queda acentuada de cabelo, inclusive deixando as famosas entradas – todos reversíveis. Porém, há também as consequências irreversíveis. “Em casos mais raros, quando as doses são muito altas, pode aumentar o clitóris, engrossar a voz e provocar o surgimento do pomo-de-adão”, destaca.
Uso ‘aleatório e sem controle’
No mês passado, por exemplo, a cantora Flayslane disse que “inchou igual a um baiacu” e que ficou cheia de espinhas no rosto após usar o implante. O ginecologista afirma que essa variedade de efeitos se dá por que existem muitas dúvidas acerca do implante e pela falta de regras em relação ao seu uso, o que torna a utilização “uma coisa aleatória e sem controle.”
“Não se sabe qual a dose de hormônio liberada diariamente [no corpo]. Não há uma forma padronizada de utilização. Ele [implante] é feito em farmácia de manipulação, mas não tem liberação da Anvisa para ser usado. Não tem uma bula, uma indústria que se responsabilize. Você está indefeso do ponto de vista da regulamentação”, enfatiza.
O especialista ainda destaca que, mesmo que se aplique a mesma dose de hormônio, o efeito vai variar conforme as características fisiológicas de cada mulher. “Você vai ver resultados díspares, porque tem tipos de peles diferentes e metabolismos diferentes”, afirma.
“A personalização do tratamento existe na medicina, mas, normalmente, em cima de algo em que você conhece a dose que está sendo dada e de que forma essa dose é absorvida pelo corpo”, pontua.
Escassez de dados de segurança
Em setembro de 2021, a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) emitiu uma nota em que afirma que não existem informações suficientes para comprovar a segurança e a eficácia dos implantes hormonais.
“Portanto, as Comissões Nacionais Especializadas de Climatério e de Anticoncepção da Febrasgo não recomendam os implantes hormonais manipulados não aprovados pela Anvisa, seja com a finalidade de realizar a terapêutica hormonal da menopausa ou anticoncepção, por escassez de dados de segurança, especialmente de longo prazo”, diz o texto.
A federação informa ainda que o único implante hormonal para evitar a gravidez aprovado pela Anvisa é o composto por etonogestrel, chamado comercialmente de Implanon.
Efeito de seis meses, custo de R$ 20 mil
Apesar de toda a insegurança que o ronda, o implante de gestrinona tem um preço altíssimo, de acordo com Pupo. “Já tive paciente que me falou que gastou R$ 22 mil”, conta.
O especialista explica que os implantes são injetados no glúteo com uma seringa. Há dois tipos: os absorvíveis e os não-absorvíveis – que precisam ser trocados. “Na maioria das vezes, o efeito dura seis meses”, afirma.
Ele ainda relata o caso de uma pessoa que não fez a remoção e ficou com implantes acumulados sob a pele. “Para tirar, tem que fazer um corte, entrar com uma pinça. E, normalmente, o corpo cria uma fibrose [em volta do implante] por ser um componente estranho”, descreve.
Leia na íntegra a nota da Febrasgo:
Posição das Comissões Nacionais Especializadas de Anticoncepção e Climatério da Febrasgo sobre implantes hormonais
As Comissões Nacionais Especializadas de Climatério e de Anticoncepção da Febrasgo entendem que não há dados suficientes publicados na literatura médica a respeito da eficácia e da segurança de implantes hormonais, muitas vezes chamados de “chips”, com os mais diversos conteúdos hormonais, tais como estradiol, testosterona, gestrinona, DHEA entre outros.
Em procura em bases de dados de trabalhos científicos, tendo a PubMed como a principal, o número de estudos com tais tipos de implantes é bastante reduzido e geralmente com pequeno número de participantes. Exceção é o implante anticoncepcional de etonogestrel industrializado e aprovado pela ANVISA disponível comercialmente e o de estradiol (não mais comercializado).
Mesmo considerando a existência de alguns poucos estudos com maior número de participantes que usaram implantes manipulados, a metodologia destes estudos apresenta limitações e, além disso, não é possível generalizar esses resultados aos implantes disponíveis no território brasileiro, por escassez ou falta de publicações de informações detalhadas destas preparações.
Embora a gestrinona possua ação antiovulatória, não existem, em todo o mundo, estudos para a aprovação regulatória do fármaco com finalidade contraceptiva. No presente momento, não há disponível no mercado brasileiro, implante hormonal industrializado aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com exceção o implante anticoncepcional composto por etonogestrel.
Portanto, as Comissões Nacionais Especializadas de Climatério e de Anticoncepção da Febrasgo não recomendam os implantes hormonais manipulados não aprovados pela ANVISA, seja com a finalidade de realizar a terapêutica hormonal da menopausa ou anticoncepção, por escassez de dados de segurança, especialmente de longo prazo. As Comissões Nacionais Especializadas de Climatério e de Anticoncepção da Febrasgo seguem atentas a este assunto e caso novas informações científicas mudem este cenário, voltarão a se posicionar.