O abismo social existente em todas as vertentes da nossa sociedade, inegavelmente, também está presente na tecnologia
Metaverso é a palavra do momento para quem se interessa pelo universo da tecnologia. Ele promete revolucionar nossas relações virtuais e, consequentemente, todas as relações de trabalho à distância, e-commerce, entretenimento e por aí vai.
O conceito de metaverso pressupõe a criação de uma internet em 3D que se conecta ao mundo físico de forma natural. Nessa nova web, é possível interagir com entidades virtuais “trazidas” para o mundo real, da mesma forma que nos leva para o mundo virtual. O usuário, em vez de consumir texto, vídeo e áudio por uma tela, pode “entrar” num mundo virtual, com a possibilidade de sentir, fisicamente, sensações vividas pelo seu avatar (representação do ser humano no metaverso).
O pensamento corrente é que o metaverso é importante porque vai inspirar uma nova economia movimentada em todos os níveis. Esse pensamento me parece muito pequeno e até mesquinho diante dos desafios do mundo real, com uma imensa desigualdade e desafios sociais e econômicos a serem vencidos. Faltam vínculos dessas novas ideias com uma realidade inclusiva que contemple os ditames da sustentabilidade, os quais regem os princípios ambientais, sociais e de governança das empresas.
Assim como ocorrem com outras possibilidades tecnológicas, cuja necessidade e realidade são discutíveis, o fato do metaverso estar se tornando algo possível não quer dizer que seja prioridade para a sociedade nesse momento.
É preciso inclusive colocar o pé no chão e considerar a realidade do nosso país em relação a esse universo que engloba a internet 3.0. A pandemia da covid-19 demonstrou o quanto ainda o Brasil necessita de investimento na sua digitalização. Ainda que pesquisas demonstrem que 81% da população já tenha acesso à internet, a qualidade dessa conexão nem sempre é o suficiente para tarefas básicas, como a educação à distância, por exemplo.
A maioria das pessoas tem planos por franquia, isso é, o consumidor tem uma determinada quantidade mensal de dados para trafegar durante o mês e, a partir do momento em que aquela quantidade se esgota, só é possível acessar Facebook e WhatsApp. A média de dados dessas franquias é de até 2 GB por mês, o que não é o suficiente nem para assistir uma aula de duas horas. E, como sabemos, a falta de educação de qualidade é o principal fator que segrega ainda mais os pobres dos ricos.
A situação tende a ficar ainda mais evidente quando as tecnologias disponíveis para a imersão no chamado metaverso estiverem efetivamente disponíveis. Esse novo espaço virtual coletivo só poderá ser acessado por meio de uma fusão entre a internet e a realidade aumentada, cuja conexão se dará mediante o uso de óculos inteligentes. Atualmente esses óculos podem custar em torno mais de R$ 8 mil, dependendo do modelo e qualidade. Se a grande maioria da população não tem dinheiro nem para comprar um celular 5G, que dirá óculos inteligentes, ou qualquer outro objeto do gênero.
Isso mostra que o abismo social existente em todas as vertentes da nossa sociedade, inegavelmente, também está presente na tecnologia, pois mesmo com o seu avanço, apenas uma parcela da população poderá ter acesso a estas novidades.
Está aí uma das grandes questões políticas do nosso tempo: como garantir redução das assimetrias de poder, estimular a cidadania e tirar o melhor proveito possível das expansões da internet do futuro? A pergunta é clássica e nos acompanha desde a década de 1970. Há inúmeras alternativas na mesa, que passam por uma multiplicidade de ações por grandes corporações, investimento em processos de escuta ativa da sociedade civil, incentivos e prêmios para projetos de interesse coletivo (museus interativos, projetos de conscientização ambiental, bibliotecas do bem comum) e muitas outras ideias. O problema não é falta de ideias, que borbulham em centenas de entidades civis e centros de pesquisa. O problema é a falta de vontade política para executá-las, seja no plano privado ou público.
Cabe a nós, como sociedade civil organizada, atentarmos para esse futuro. Como no filme “Matrix”, em que o personagem Morpheus oferece para o protagonista Neo a possibilidade do herói tomar uma pílula da ilusão e outra que lhe mostra a verdade, nós temos que nos perguntar todos os dias se estamos questionando a Matrix ou apenas retroalimentando a sua existência.