Segundo os dados mais recentes do Departamento de Transportes, 31.720 pessoas morreram entre janeiro e setembro de 2021, maior número já registrado nos primeiros nove meses de um ano desde 2006.
Isso representa um aumento de 12% em relação ao mesmo período de 2020 (quando ocorreram 28.325 mortes), o maior percentual de crescimento nos primeiros nove meses de um ano já registrado pelo Fatality Analysis Reporting System, sistema criado em 1975 e que analisa dados sobre mortes em acidentes com veículos motorizados.
O aumento ocorreu apesar de uma redução no total de quilômetros percorridos desde o início da pandemia, e foi verificado tanto em zonas urbanas quanto em estradas rurais.
Os dados indicam que houve crescimento no número de mortes no trânsito em 38 dos 50 Estados americanos.
“Essa é uma crise nacional”, disse no mês passado o secretário de Transportes, Pete Buttigieg, ao anunciar medidas para combater o problema.
“Nós não podemos e não devemos aceitar essas mortes como uma parte inevitável da vida cotidiana.”
Apesar de as causas ainda não estarem completamente claras, acredita-se que a pandemia teve impacto nesse aumento recente.
“Enquanto o número de mortes anuais em rodovias caiu durante muitos anos, esse progresso estacionou na última década e agora, de maneira alarmante, as mortes aumentaram durante a pandemia”, diz o Departamento de Transportes.
Cinto de segurança, velocidade e álcool
A tendência verificada pelo governo federal é confirmada por outras análises. Segundo o National Safety Council (NSC), uma organização sem fins lucrativos que atua na prevenção de acidentes e mortes, mais de 42 mil pessoas morreram nos primeiros 11 meses de 2021, um crescimento de 9% sobre 2020 e de 18% em relação a 2019.
Os números do NSC costumam ser maiores do que os do Departamento de Transportes, porque incluem também acidentes com veículos fora de ruas e estradas, em locais privados, como estacionamentos.
Além disso, enquanto o Departamento de Transportes inclui mortes ocorridas até um mês após o acidente, os dados do NSC englobam mortes ocorridas até um ano depois.
Mas, apesar dessas diferenças, o gerente de estatísticas do NSC, Ken Kolosh, diz à BBC News Brasil que sua organização também verificou uma relação entre o salto nas mortes e a pandemia. Ele cita três fatores que contribuíram para esse crescimento.
“Particularmente durante os primeiros meses da pandemia, houve um aumento no número de ocupantes de veículos que não estavam usando cintos de segurança”, observa Kolosh, lembrando que cresceu o número de pessoas ejetadas dos veículos durante colisões.
O analista salienta que ainda não se sabe o motivo dessa mudança de comportamento. Kolosh também lembra que, desde o início da pandemia, houve aumento no número de acidentes envolvendo motoristas embriagados.
O terceiro ponto destacado por ele é o fato de que, com a pandemia, menos pessoas tiveram de dirigir para o trabalho. “Nossas vias estavam muito menos congestionadas, o que permitiu que os motoristas dirigissem em maior velocidade”, diz o analista.
O aumento no número de mortes no trânsito também ocorreu ao mesmo tempo em que houve queda acentuada no uso de transporte público nos Estados Unidos.
Dados do governo federal mostram queda de quase 80% no número de passageiros em metrôs, ônibus, trens urbanos e outros meios de transporte coletivo entre setembro de 2019 e setembro de 2020.
Em setembro do ano passado, o volume de passageiros havia crescido modestamente, mas ainda permanecia quase 60% abaixo dos níveis pré-pandemia.
Velocidade
Apesar do provável impacto da pandemia, a crise de mortes no trânsito envolve outros fatores mais antigos.
Um relatório divulgado no ano passado pelo Fórum Internacional dos Transportes, ligado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), comparou acidentes de trânsito fatais em 34 países.
Quando analisada a evolução das mortes entre 2010 e 2018, houve queda em 26 desses países.
Nos Estados Unidos, no entanto, o número de mortes cresceu 11% no mesmo período, um dos piores desempenhos.
O país também teve o pior resultado em relação a mortes de pedestres, com aumento de 46% no período, enquanto 25 países apresentaram redução.
Muitos analistas observam que o sistema rodoviário americano foi projetado com o foco em eficiência e para permitir velocidade.
“É preciso refletir sobre como projetamos nossas vias, para que todos possam usá-las em segurança. Isso inclui pessoas em automóveis, mas também pedestres, ciclistas e motociclistas”, diz Kolosh.
Planos
O secretário Pete Buttigieg apresentou no mês passado um plano do governo federal para aumentar a segurança no trânsito, com verbas do pacote de infraestrutura anunciado pelo presidente Joe Biden.
Buttigieg diz que o objetivo é não apenas evitar acidentes mas, caso estes ocorram, impedir que resultem em ferimentos graves ou morte.
Estão previstas diversas medidas para aumentar a segurança de vias e rodovias, incluindo desde projetos para ciclovias e faixas para ônibus até limites de velocidade mais rígidos e melhor iluminação.
Também há planos de melhorar a segurança dos veículos com o uso de tecnologia.
Especialistas destacam ainda a importância de garantir que as leis de segurança no trânsito, como limites de velocidade, sejam fiscalizadas e cumpridas.
Kolosh teme que, mesmo com o fim da pandemia, as mudanças que levaram a um maior número de mortes permaneçam.
“Motoristas adotaram alguns comportamentos muito perigosos. Agora, à medida que o tráfego volta a níveis pré-pandemia, esses comportamentos estão ficando ainda mais perigosos e mortais”, afirma.
Mas ele e outros especialistas ressaltam que não basta apenas encorajar mudanças de comportamento entre os motoristas. É necessário garantir que as estradas e ruas sejam seguras.
“Seres humanos sempre irão cometer erros. Mas nosso sistema rodoviário precisa garantir que, mesmo se você cometer um erro, isso não vai resultar em um acidente fatal”, diz Kolosh.