O dilema dos “artistas” que só conseguem fazer arte usando dinheiro público

Seja qual for o formato de uma Lei de Incentivo, ela desperta uma pergunta de cunho ético: qual classe a merece?

E, assim, a pergunta se desdobra: por que viabilizar recursos para atores e não, por exemplo, para livreiros ou artesãos?

E por que não tirar esses recursos dos atores, dos livreiros e dos artesãos e direcionar apenas para os escritores? Ou apenas para os malabaristas de semáforos? E por que ninguém se lembra dos habilidosos manipuladores de iôiô? E os criadores de bonecos de vodu?

E se não houvesse Lei de Incentivo nenhuma? E se o artista – tanto os 5% verdadeiros quanto os 95% picaretas – se virassem por sua própria conta e risco? Afinal, pedreiro, padeiro e empregada doméstica têm Leis de Incentivo?

Sim, eu sei: as Leis de Incentivo são baseadas na crença de que o ambiente cultural é superior e nobre; mas isso é uma mentira. Não é nem superior e nem nobre.

Para cada Beethoven ou Cole Porter têm um milhão de músicos ruins. Para cada Guimarães Rosa ou James Joyce tem outro milhão de escritores dispensáveis.

Quem é nobre no sentido artístico do termo produzirá arte com ou sem apoio. E quem não é nobre só produzirá “arte” se tiver a garantia do retorno financeiro. É o falso artista, ou o artista de segunda categoria, sem os quais o mundo seguirá em frente sem sentir a menor falta.

Alguém consegue imaginar um Van Gogh ou um Cartola não produzindo arte? “Ainn, só darei ao mundo meus girassóis se tiver segurança”; “Ainn, só falarei de rosas e moinhos se o governo me apoiar”.

Não consegue viver da sua arte sem chupar dinheiro do governo feito um Nosferatu? Então vá trabalhar como todo mortal.

Por Marco Frenette. Jornalista e escritor

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