Quando alguém que amamos muito morre e deixa de viver ao nosso lado para seguir o seu caminho, o sofrimento é tão grande, que acolhemos a dor como companheira
Abrimos as portas da nossa casa interna e, vulneráveis, deixamos que ela passe a viver dentro de nós. Nesses momentos, uma pergunta ecoa em nossa mente: como podemos lidar com a dor de um processo de luto?
As perdas emocionais, sejam elas de um ente querido, um amor, uma oportunidade, além de todas as perdas que estamos vivendo neste momento de pandemia, acabam abalando as nossas estruturas internas. A grande maioria de nós ainda não sabe lidar com essas perdas. Somos treinados a nos preparar para os ganhos, para as vitórias, para buscar o prazer, mas tentamos a todo custo evitar a dor.
Ao receber a notícia de que algo que nos é muito caro nos foi tirado, o vazio se instala imediatamente dentro de nós e, automaticamente, substituímos esse vazio com uma dor avassaladora! Essa dor toma conta de todo o espaço, que antes era destinado ao amor.
Muitas pessoas estabelecem um forte vínculo com a dor, alimentando-a diariamente e, em muitos casos, acabam nutrindo um forte desejo de seguir a pessoa que se foi.
Amor que adoece é amor que cura
A constelação familiar nos fala de dois conceitos muito importantes, quando o assunto é amor, ela diferencia o amor que cura do amor que adoece. Vamos pensar que um ente muito querido nosso tenha adoecido e esteja em grande sofrimento ou numa pessoa amada que tenha tido um destino trágico, ou mais ainda, um amor que esteja indo em direção a um destino destrutivo.
Em um pensamento mágico e infantil, podemos cair no erro de pensar que pegar a dor do outro para nós mesmos pode ser uma maneira de aliviar o sofrimento de quem amamos. Este pensamento é chamado de amor que adoece pelo simples fato de que não podemos interferir no destino e no caminho alheios, precisamos respeitar a história do outro, as escolhas do outro e principalmente o destino do outro.
Quando acreditamos que temos o poder de salvar o outro ou então imaginamos que, se trouxermos aquele sofrimento para a nossa vida, vamos de alguma forma aliviar o sofrimento de quem amamos, estamos adoecidos em nossa forma de amar.
Quantas vezes adoecemos, fracassamos e nos fazemos muito mal por puro amor equivocado ao outro. Podemos, após adquirir consciência, substituir o amor que adoece pelo amor que cura. E como podemos fazer isso? Podemos sentir muito pelo que está acontecendo, podemos nos sentir muito tristes pelo destino do outro, mas precisamos, apesar de todos os sentimentos, entender e entregar o destino do outro ao outro! E dessa forma ficamos livres para viver o nosso destino com todas as vantagens e desvantagens com que ele se apresenta. Como você lida com as perdas?
Não sabemos como lidar com as perdas, até que elas de fato aconteçam. E cada pessoa vai reagir de maneira completamente diferente, algumas em choque, outras em negação, algumas com tristeza profunda, e ainda há pessoas que ficam presas na raiva e na indignação.
Não há maneira certa ou errada de viver a dor de um luto, mas é fato que fingir que a perda não aconteceu, não doeu, não machucou nem foi tão grave, além de não ajudar, piora – e muito – as coisas.
Minimizamos a dimensão da perda, acreditando que não olhar para o que aconteceu fará a dor desaparecer é uma escolha que pode trazer consequências difíceis no futuro.
Carl Jung disse, certa vez: “Ao que você resiste, persiste!” E interpreto da seguinte maneira: não olhar, sofrer ou chorar as nossas perdas não nos ajuda a superá-las mais rapidamente. Na verdade, ocorre o oposto, quando não vivenciamos, validamos e choramos as nossas perdas, todo o emaranhado de emoções ligados a ela ficam retidos e contidos em nosso corpo, em nosso psiquismo.
O luto é um processo que precisa de uma vida toda para ser elaborado, e este processo vai se dando em camadas! E em cada camada novos sentimentos aparecem. É interessante como os sentimentos se alternam: algumas vezes, dá a sensação de que a pessoa continua existindo e que nada mudou; em outras, voltam os questionamentos do “e se”: e se eu tivesse feito diferente, e se eu tivesse sido mais rápida, e se eu tivesse feito mais ou menos, será que as coisas seriam diferentes?
Nesses momentos, a culpa pode nos fazer uma visita. Não devemos deixar que ela se demore, é preciso ter em mente que, numa situação difícil todos, sem exceção, estão fazendo o melhor que podem e conseguem, mesmo que o melhor, às vezes, pareça muito aquém do que a situação demanda.
Algumas pessoas fogem e evitam o contato com a situação de perda, não porque sentem pouco, às vezes, é ao contrário, sentem muito e por não saberem como lidar com o volume de sentimentos que uma perda causa, alienam-se, fogem, afastam-se e fingem que nada aconteceu.
Enfim, cada pessoa vai viver o seu processo da maneira que lhe for possível, mas deixo logo abaixo algumas atitudes que podem fazer a diferença na superação desse difícil momento:
O que você sente é legítimo, então, em vez de brigar com seus sentimentos, acolha-se, trate-se bem e seja carinhoso consigo mesmo.
O processo de luto demanda muita energia, principalmente nos primeiros meses. Se você se sente cansado, quieto e sem vontade de conversar ou sair por aí, respeite o que você sente.
Escolha cuidadosamente as companhias e os programas, e dê preferência a pessoas que entendam o seu momento, respeitem as suas necessidades e faça programas que realmente lhe tragam nutrição e abastecimento. Cuide-se, seja carinhosa com você e respeite o seu momento. Procure um espaço especializado e profissional para acompanhar o seu processo de luto, caso sinta necessidade.
O luto vai acontecendo ao longo do tempo, durante toda a nossa vida, camada após camada, aos poucos, com o passar do tempo, as dores vão sendo substituídas pelas boas lembranças, pela saudade e pela aceitação.
As perdas fazem parte da vida, estamos aqui de passagem, todos nós! Essa é a nossa única certeza!