Luta por igualdade: mulheres se unem para banir atletas trans do esporte feminino

Atletas de mais de 30 países enviaram ao Comitê Olímpico Internacional um apelo para evitar a “destruição dos esportes femininos” e o que elas chamam de “flagrante discriminação contra as mulheres em razão do sexo biológico”. Em documento, elas pedem que sejam suspensas as normas adotadas em 2015 que permitem as chamadas “mulheres trans” (pessoas do sexo biológico masculino) nas competições femininas. O pedido foi feito no fim de abril de 2020, aproveitando a decisão de adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Desde novembro de 2015, quando foi publicado um novo guia de diretrizes do Comitê Olímpico Internacional (COI), atletas transexuais e travestis passaram a ser aceitas em campeonatos femininos de vários países e, com isso, as mulheres perderam o direito de competir em condições de igualdade, já que o corpo masculino é, por natureza, mais forte e resistente, mesmo que tenha passado por cirurgias e terapias hormonais para ganhar características femininas.

Ainda que se considerem mulheres, as atletas trans têm, além de estrutura corporal avantajada, altura, força física e de impulsão, capacidades pulmonar e cardíaca muito maiores do que as das mulheres, o que deixa as concorrentes em clara desvantagem. E a redução do nível de testosterona por um ano, como indica o COI, não elimina essa vantagem.

Não à toa homens esportistas de pouca expressão nos rankings do esporte masculino viraram campeões absolutos e até recordistas quando passaram a usar outra identidade social e a competir com mulheres, como foi o caso de Craig Telfer. O jovem velocista americano, inexpressivo nas competições masculinas, virou um fenômeno nas pistas, depois de fazer a cirurgia de transição de sexo aos 21 anos, mudar o nome para Cece Telfer e tornar-se a primeira transexual no torneio universitário de atletismo feminino dos Estados Unidos, vencendo os 400 metros com barreiras e dando o primeiro título nacional à Franklin Pierce University.

Por outro lado, nesses mais de cinco anos de presença de atletas trans em competições femininas inúmeras mulheres viram desabar o sonho de conquistar títulos, patrocínios, contratos e muito mais. Atletas americanas do ensino médio estão processando a Conferência de Atletismo Interescolar de Connecticut, depois de perderem a chance de conseguir bolsa nas melhores universidades, simplesmente porque era impossível vencer duas transexuais inscritas no campeonato escolar. As duas conquistaram o primeiro e o segundo lugares das provas disputadas e receberam bolsas para integrar equipes universitárias, uma delas em Harvard.

Tão cruel quanto isso é a espiral de silêncio que acaba envolvendo as mulheres esportistas. Quem ousa reclamar da presença de competidoras flagrantemente maiores e mais fortes (por serem homens biológicos, ainda que com aparência transformada para estampar traços femininos) vira alvo de agressões verbais, intimidações e campanhas difamatórias orquestradas por grupos de defesa dos direitos LGBT.

“Tem um lado no debate que é muito desonesto intelectualmente, que tenta empurrar esse debate exatamente para a área do preconceito e da ideologia. Esse debate não pode entrar no campo do preconceito nem da ideologia. A gente tem que ficar na questão biológica, na ciência humana”, disse Ana Paula Henkel, medalha de bronze nas Olimpíadas de Atlanta (1996) pela seleção brasileira de vôlei.

“Eu tive que passar por todo o ataque virtual, por um linchamento virtual, mas continuei resiliente, sempre atrelada aos conceitos biológicos e científicos de uma maneira muito calma e as pessoas viram que eu não estava ali para ficar de pom-pom ideológico”, completou Ana Paula Henkel.

Ela hoje mora nos Estados Unidos e é uma das raras vozes no meio esportivo brasileiro a encarar essa discussão. “Sei que a maioria está do meu lado, elas não falam por medo até de perder patrocínio”, desabafa.

O medo é legítimo, afinal até a ex-tenista Martina Navratilova, recordista absoluta em títulos nos mais importantes campeonatos do mundo, homossexual assumida e defensora dos direitos LGBT, foi tachada de “transfóbica” ao se posicionar contra a presença de homens biológicos no esporte feminino.

Bastaram pouco mais de três anos – e cerca de 60 casos de transexuais levando as principais medalhas e títulos nas várias modalidades femininas em que conseguiram se inscrever- para as mulheres decidirem se unir em prol do esporte exclusivamente feminino.

O SWS, sigla para o nome em inglês Save Women’s Sports (Salve os Esportes Femininos), surgiu nos EUA no começo de 2019 e em um ano de atuação já tem representantes em mais de 30 países. O movimento é formado por mulheres e homens pesquisadores em fisiologia humana, médicos do esporte, advogados que atuam na justiça desportiva, técnicos e ex-atletas. A maioria das esportistas em atividade, embora revoltada com o que está acontecendo no esporte feminino, tem medo de se posicionar e ser acusada de preconceito.

Todos os integrantes do movimento reforçam, em seus artigos e entrevistas, que não se opõem à orientação sexual de ninguém e são solidários com a dor psicológica de pessoas que não se identificam com o sexo de origem, mas dizem ser injusta e desleal a presença de transexuais e travestis no esporte feminino.

O que se questiona são as vantagens físicas de quem nasce homem e passa a vida sob influência da testosterona, hormônio que age como um anabolizante natural, fazendo com que a massa muscular do homem e também a velocidade, a força e a potência, entre outras características fisiológicas, sejam maiores que as da mulher.

O hormônio masculino está presente também no corpo feminino, mas, em média, homens produzem de sete a oito vezes mais testosterona do que mulheres. Mesmo que o homem se submeta a tratamento hormonal para tentar equiparar o nível de testosterona ao das mulheres – e acabe perdendo força, resistência e velocidade -, jamais deixará de carregar a herança de anos de crescimento com níveis masculinos de testosterona, lembram os defensores do esporte exclusivamente feminino.

O advogado desportivo Marcelo Franklin, que defende atletas brasileiros de ponta em casos de doping, explica que, ao se posicionar sobre o assunto, o COI estabeleceu apenas diretrizes para as federações seguirem – se quiserem. “Não é uma regra, mas gera um conforto, porque as atletas [trans] dizem que estão seguindo as diretrizes do COI e o COI alega que apenas deu uma sugestão”, afirma Franklin.

O guia de diretrizes do COI sugere que as atletas trans passem por tratamento hormonal durante um ano para reduzir os níveis de testosterona no sangue a um máximo de 10 nmol/l (nanomol por litro). A questão é que no corpo feminino o índice médio de testosterona é muito menor, entre 2 e 3 nmol/l, tanto que as atletas mulheres são testadas ao longo de toda a carreira e podem ser punidas por doping se os exames acusarem dosagem maior.

“Meu primeiro teste anti-doping eu tinha 16 anos. Dos 16 até os 38, eu fui testada incontáveis vezes. Não é justo uma atleta que passa a vida toda sendo testada, principalmente para testosterona, na fase adulta perder o lugar para uma atleta trans que foi bombardeada com testosterona durante três décadas, que é o caso da Tifanny, por exemplo”, relatou Ana Paula Henkel.

Tifanny Abreu é uma atleta trans de 1,94 m de altura, de 35 anos, que joga atualmente no time feminino de vôlei do Bauru (SP). Ela ficou conhecida como a primeira transexual a ser aceita em uma competição esportiva feminina de alto nível no Brasil, depois de fazer a cirurgia para transição de sexo aos 30 anos. O time de Tiffany chegou invicto ao título do campeonato paulista feminino de vôlei em 2018, rompendo seis anos de hegemonia do Osasco.

“Já tinha praticamente um corpo formado com todos os benefícios da testosterona. Como que você reverte 30 anos de bombardeiro da substância que é o suprassumo do esporte?”, questiona Ana Paula. “Impossível. E se for possível, onde estão os estudos? É exatamente isso que a gente quer: estudos de longo prazo que provam que o coração diminuiu, que os pulmões diminuíram, que a capacidade de oxigenação sanguínea agora é comparativa em igualdade com a das mulheres, a altura…”, critica a ex-atleta.

Franklin avança no questionamento. “Atletas trans, mesmo com 10 nanomol [por litro de sangue], estavam tendo desempenho muito acima das mulheres. Fiz um cálculo. Pela regra de 10 nmol/L, era 384% acima da média de testosterona feminina. Mesmo que a diretriz caia pela metade, que é uma nova sugestão em discussão no COI, você continua muito acima da média das mulheres.”

“Tem um princípio dos mais importantes do esporte de alto rendimento, que é o level playing field, em que todos têm a mesma oportunidade competitiva e a mesma chance de ganhar. A meu ver, na hora em que se propõe a inclusão de um grupo de atletas que tem qualquer vantagem física em relação às demais, você está violando o isso.”

“Muitas vezes a diferença para chegar numa final olímpica, se falar de natação, por exemplo, é de milésimos de segundos. Se você pegar os últimos recordes mundiais e olímpicos, entre masculino e feminino tem sempre uma diferença mínima de 10%. A diferença é muito grande”, salienta o advogado.

Às atletas mulheres não basta mais cuidar da alimentação e da saúde, trabalhar o corpo ao extremo, conhecer profundamente a técnica da modalidade escolhida e treinar os movimentos à exaustão para tentar vencer uma prova esportiva.

Enquanto as diretrizes do COI estiverem em vigor, mulheres esportistas estarão sujeitas a ter que disputar força, resistência e agilidade com adversárias que nasceram homens e, já adultos, optaram pela mudança de sexo; ou nem mesmo isso, já que, também segundo as orientações do COI, basta a alteração de nome (identidade social) para pedir inscrição em provas esportivas femininas.

Histórias de injustiça contra mulheres atletas

Na página do SWS, há registros de inúmeros títulos e recordes conquistados por atletas trans em campeonatos femininos e uma galeria de fotos por si só bastante desconcertante, dada a diferença física entre as campeãs (transexuais) e as demais competidoras (mulheres).

O movimento também divulga em seu site inúmeras histórias de atletas que perderam o estímulo e desistiram de competir, depois de ver que não havia mais espaço para as mulheres no lugar mais alto do pódio nem nos registros de recordes esportivos femininos. A lista é encabeçada pelo relato da fundadora do movimento, ela própria uma ex-atleta vencida pelo desânimo.

Beth Stelzer era levantadora de peso amadora e vinha se superando no esporte, mas se viu impossibilitada de seguir competindo depois que uma atleta trans passou a levantar 50 quilos a mais que as melhores e mais preparadas adversárias. A atleta abandonou os campeonatos, mas não desistiu de lutar para provar o óbvio: que há enormes diferenças biológicas entre os corpos masculinos e os femininos e que incluir homens biológicos nas disputas com mulheres é acabar com o esporte feminino.

“Se permitirmos que os homens participem de esportes femininos, haverá esportes masculinos, esportes mistos, mas não haverá mais esportes femininos.”

Com informações da Gazeta do Povo

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