Temas como a Reforma do Judiciário se tornaram banais por causa dos ataques terroristas; governo optou por uma união nacional
De repente, a guerra fez Israel se deparar com uma realidade, já presente há muitos anos, de forma imperceptível. E assuntos que pareciam palpitantes no frenesi da vida moderna, se tornaram banais, diante da ameaça da destruição, depois dos ataques do grupo terrorista Hamas em 7 de outubro. Um deles, a Reforma do Judiciário, que, desde 2022, fez quase metade da população se voltar contra o governo que buscava diminuir o poder da Suprema Corte.
“O objetivo agora no país é outro, mudou. As pessoas estão lutando, torcendo e rezando para que a vida volte ao normal. Mas essa volta ao normal também será diferente. Questões como a reforma do Judiciário se tornaram agora irrelevantes”, diz a Revista Oeste o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zohar Zonshine. “As coisas da política vão ter que esperar para retornarem à pauta. Nem sei se vão voltar. Israel não vai ser mais o mesmo depois desta guerra.”
Outra transformação foi, logo depois dos ataques, a superação das rusgas para se chegar a um governo de união nacional. A base agora une o Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, a partidos de oposição, como o Yesh Atid, de Yair Lapid, famoso apresentador que se tornou uma figura política dinâmica e representativa. Como em outros tempos de urgência, depois da invasão do Líbano e da hiperinflação, na união entre Yitzhak Shamir (Likud) e Shimon Peres (trabalhistas).
“Netanyahu sentiu a necessidade de montar um governo unificado. Somente os seus pares não seria suficiente. No momento de guerra, há muitos especialistas de outros grupos que podem ajudar”, afirma Zonshine. “Nem todos no governo, do ponto de vista político, militar, tecnológico e de defesa têm todos os conhecimentos necessários para dar conta dessa situação. Essa aliança visa à melhora no nosso desempenho.”
Até há pouco, o país se via mergulhado em um deslumbramento perigoso, baseado apenas ideia de ser o país das startups, de shoppings lotados e dos neons de Tel-Aviv.
Mas Israel tem buscado, nos últimos dias, reencontrar um pouco do ideal do agricultor, do cientista sem recursos, do político sem mandato e do trabalhador abnegado, que se sacrificaram para erguer um país no Oriente Médio.
Israel se depara sempre com a necessidade de mudanças
Nas manifestações anteriores à guerra, jovens, empresários e ativistas esbanjaram um orgulho, que se misturava à ilusão, ao saírem às ruas inebriados. Inflados pela ideia de que a democracia israelense chegara ao seu ápice. E que o país, no fundo, era inabalável. As ameaças existiam, mas não invadiam o imaginário das pessoas a ponto de as desviarem de suas metas pessoais.
“Apesar dos atentados suicidas, dos acampamentos de verão que treinam crianças para matar e da retórica sanguinária, houve, no nosso Exército, uma incapacidade de compreender que o Hamas quer simplesmente matar judeus”, afirma, em artigo, David Horovitz, editor e fundador do jornal The Times of Israel.
Para ele, a evolução do grupo terrorista Hamas “para uma força de combate cada vez mais eficaz e disciplinada em nada impediu de torná-lo menos selvagem”.
A sociedade israelense, no entanto, está sempre se deparando com a necessidade das mudanças. Mesmo que forçadas. Em meio à manutenção das tradições. E essas mudanças impelem o povo a se unir em prol de um objetivo. O de agora não é mais o de erguer o país, mas de mantê-lo forte, libertário e liberal.
A obrigação de estar sempre despertando faz de Israel um país peculiar. Com algumas diferenças em relação àqueles que não têm a vida tão turbulenta em suas fronteiras. Yossi Klein Halevi, pesquisador sênior do Shalom Hartman Institute, em artigo no The Times of Israel, resume o atual momento.
“Agora os nossos inimigos nos uniram”, afirma Halevi. “Desta vez, induzindo num único dia a reviravolta milagrosa de uma nação tão dividida em que parecíamos à beira da guerra civil, para uma nação definida mais uma vez por objetivos e esforços partilhados.”
Isso quer dizer que, em momentos como esse, renasce nos israelenses a certeza de que desenvolver um país no meio do deserto, e cercado de inimigos, não foi um desatino. Foi coisa do destino.