Decisão definirá o futuro de mais de 300 demarcações de terras indígenas em todo o país
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, nesta segunda-feira (14), para validar a participação do ministro André Mendonça, ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, na discussão sobre o marco temporal, que definirá o futuro de mais de 300 demarcações de terras indígenas em todo o país.
O debate sobre a eventual suspeição de Mendonça no julgamento foi levantado pelo próprio ministro. Em julgamento no plenário virtual do Supremo, ele narrou que, enquanto advogado-geral da União, deu duas manifestações sobre o caso, uma delas quanto a um pedido liminar feito pela Defensoria Pública da União no bojo da ação.
De outro lado, Mendonça argumentou que, em nenhum momento, tratou da questão de fundo do caso – o marco temporal. Nessa linha, ele argumentou que pode participar do julgamento sobre a tese defendida por ruralistas de que uma terra indígena só pode ser demarcada se for comprovado que povos originários já ocupavam determinado local quando a Constituição foi promulgada, em 5 de outubro de 1988.
Mendonça alegou que ele está impedido de julgar o caso específico que aportou no Supremo, mas não de participar do debate mais abrangente suscitado.
A tese do marco temporal, que deve ser enfrentada pela Corte máxima, é a questão central de um processo que envolve uma área da Reserva Biológica do Sassafrás, no estado de Santa Catarina, declarada como de tradicional ocupação dos índios Xokleng.
O caso chegou ao STF após a Fundação Nacional do Índio entrar com recurso contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O despacho questionado confirmou decisão que determinou ação de reintegração de posse na área ocupada pelos índios Xokleng, atendendo um pedido da Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente.
O que ocorreu foi que o Supremo reconheceu a repercussão geral do caso, ou seja, a decisão da Corte valerá para outros processos semelhantes, em trâmite em todo o país.
Nessa linha, Mendonça argumenta que seu impedimento se restringe à votação do “processo subjetivo” e ao julgamento envolvendo as partes, mas não à votação da tese constitucional – “pois nesta não se discutem situações individuais nem interesses concretos”.
O posicionamento já foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes.
A questão enfrentada no Plenário virtual é debatida dois meses após Mendonça suspender o julgamento sobre o marco temporal com um pedido de vista – mais tempo para análise. O placar está em 2 a 1 para declarar a tese inconstitucional. Já se manifestaram sobre o assunto os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Kassio Nunes Marques.
Fachin defende o direito dos povos originários sobre o território. Ele aponta que “a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas”. Kassio é a favor da tese dos ruralistas, alegando que a solução garante segurança jurídica na demarcação das terras.
Alexandre de Moraes acompanhou Fachin, mas sugeriu ajustes pontuais no voto do relator, com proposta de que a União seja obrigada a pagar indenização integral a proprietários expropriados, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, considerando a terra nua e eventuais benfeitorias.
Superada a dúvida sobre o eventual impedimento, Mendonça deve continuar a análise do caso. O ministro tem até o dia 7 de setembro para devolver os autos a julgamento, ou a liberação será automática. Depois, caberá ao presidente do STF colocar a discussão em pauta novamente.