Defensor público afirma que presos do 8 de janeiro estão em ‘limbo jurídico total’

Profissional explica que não caberia prisão preventiva, mas STF não aceita habeas corpus e julga recursos

A maioria das 253 pessoas que seguem presas pelos atos de 8 de janeiro é composta por manifestantes que estavam acampados em frente ao quartel do Exército em Brasília e não por vândalos que invadiram e depredaram os prédios da Praça dos Três Poderes, segundo afirmou o defensor público da União, Gustavo de Almeida Ribeiro, em entrevista ao portal UOL.

“No geral, há mais pessoas presas por estarem no QG [Quartel General] do que na Praça, e os casos da DPU [Defensoria Pública da União] refletem isso”, declarou.

E parece impossível, segundo ele, conseguir liberdade para essas pessoas. A forma de atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) torna as decisões do ministro Alexandre Moraes, relator dos atos de 8 de janeiro, “irrecorríveis”.

Com isso, pessoas cuja prisão preventiva legalmente não é cabível seguem presas, disse o defensor. Ele explicou que pelas regras do Código de Processo Penal, a prisão preventiva cabe para crimes com pena superior a 4 anos de reclusão. Quem foi preso em frente ao quartel do Exército poderá, se condenado pelos crimes de incitação e associação criminosa, ter pena máxima inferior a 4 anos – 3 anos e 6 meses, somando as duas infrações.

“Para caber preventiva, o Código de Processo Penal estabelece, para o réu primário, que a pena máxima tem que ser superior a quatro anos. E somando os dois crimes não dá quatro anos. Então não há interpretação possível”, explicou Ribeiro.

Entretanto, o STF não aceita – rejeita sem analisar o mérito – habeas corpus contra decisão de ministro. Isso quer dizer que alguém preso por ordem de um ministro do STF não tem direito a habeas corpus, principal ação para proteger direito de locomoção de alguém. O único recurso cabível é o chamado agravo, mas, nesse caso, depende do próprio relator para julgá-lo. Ou seja, nos casos de 8 de janeiro, o próprio ministro Alexandre de Moraes teria de colocar o recurso em pauta.

Foi isso o que explicou o defensor em entrevista ao UOL.

“Claro que entramos com habeas corpus, mas foram negados, porque o Supremo entende que não cabe HC contra decisão de ministro. E agravamos das decisões do relator, mas o agravo depende de o próprio relator pautar o caso para julgamento. Então é um limbo total: são presos em situações que sequer a preventiva caberia. São decisões irrecorríveis contra o texto expresso da lei – e aí não é mais questão de opinião.”

Na entrevista, Ribeiro também disse que entre os presos há muitas pessoas pobres, que não têm condições de pagar advogado. “Há pessoas em situação de rua, outros que ganham benefícios assistenciais, salário mínimo ou pouco acima disso. São pessoas em situação econômica bastante precária e bastante vulneráveis.”

Ele também disse que “um bom percentual” dessas pessoas “não tem qualquer conhecimento de nenhum tipo de líder, financiadores ou de planejamento de golpe de Estado”.

“Muitas vezes vieram em um grupo da igreja, ou dormiam próximo à igreja que trouxe, um amigo trouxe, era vendedor ambulante, coisas assim. Também teve gente que disse nas audiências de custódia que chegou a Brasília já depois de tudo ter acontecido”, declarou o defensor público.

Questionado se o direito de defesa dos presos está sendo respeitado, Ribeiro repetiu o que muitos advogados e defensores já afirmaram: que as acusações são genéricas e não específicas para cada pessoa, como determina a lei e que há violação de direitos dos acusados. Mesmo assim, o STF tem recebido essas denúncias.

“Já percebi que isso vai ser aceito neste momento. Não é o ideal, mas são favas contadas, as denúncias foram e serão recebidas. A nossa preocupação agora é que haja essa diferenciação no momento do acórdão pela condenação ou absolvição. Uma pessoa que apenas estava no QG, mas não tem influência nenhuma, não conhece ninguém, o que estava instigando?”

O defensor também disse que o volume de processos e a celeridade não habitual do STF está dificultando o trabalho da Defensoria. Ele citou o bloco de 250 casos que foi a julgamento em 9 de maio para a votação do recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República. “Fomos intimados no dia 8.” O prazo exíguo impede que os advogados da DPU possam analisar cada caso com a atenção que a situação merece.

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