Segundo a reportagem do Diário de Pernambuco, publicado em 10 de dezembro de 2015, a Operação Pulso, deflagrada na época pela Polícia Federal (PF), trouxe à tona uma organização criminosa que atuava dentro da Empresa Brasileira de Hemoderivados de Biotecnologia (Hemobrás). Além dos prejuízos financeiros, estimados inicialmente em R$ 30 milhões, as ilicitudes supostamente cometidas pelos cinco envolvidos nas investigações atingiram diretamente a população que depende do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo informações da PF, cerca de R$ 9 milhões em plasma sanguíneo (matéria-prima para a elaboração de medicamentos) foram desperdiçados devido a mau armazenamento. As investigações indicavam que parte do dinheiro desviado pode ter financiado campanhas políticas em Pernambuco no ano de 2014.
Entre os envolvidos estavam o diretor-presidente da estatal, Rômulo Maciel Filho, o diretor de Produtos Estratégicos e Inovação, Mozart Sales, candidato a deputado federal em 2014 pelo PT, e Jorge Luiz Cavalcanti, funcionário da área de engenharia da Hemobrás. Eles foram alvo de mandado de condução coercitiva (quando são obrigados a prestar depoimento) e afastados por 90 dias das funções. A PF prendeu preventivamente os empresários Delmar e Juliana Siqueira Rodrigues. Os cinco foram indiciados por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.
No Recife, os agentes da PF foram ao apartamento de Rômulo, localizado no Cais de Santa Rita e conhecido como “torres gêmeas”. Enquanto parte da equipe subia à residência dele, maços de dinheiro foram arremessados de uma das janelas do prédio. “O dinheiro foi resguardado. Será feito um exame datiloscópio para sabermos de onde saíram as cédulas”, esclareceu Carla Patrícia, delegada regional de combate ao crime organizado.
O delegado Wagner Menezes, coordenador da operação, destacou que a PF recebeu denúncias de que a diretoria da Hemobrás estava “comprometida com um certo grupo de empresários para direcionar licitações e permitir o desvio de recursos públicos mediante pagamento de propina”. Foram verificadas irregularidades em diversos contratos. “Um desses era para o armazenamento de plasma, cuja licitação foi vencida por uma empresa, a um custo de R$ 880 mil”, disse, acrescentando que a Hemobrás rescindiu o contrato, fez outra licitação e contratou o mesmo serviço a outra companhia por R$ 8,3 milhões. De acordo com o delegado, funcionários que trabalhavam no canteiro de obras e teriam percebido as irregularidades foram afastados pela diretoria da estatal.
O desperdício do plasma sanguíneo, segundo o delegado, deu-se porque a empresa contratada para tal finalidade não tinha experiência para armazenar o tipo de material. “O consórcio era contratado para fazer o transporte, apenas (…) Houve desperdício massivo de material que seria destinado ao SUS”, disse o delegado. Os medicamentos produzidos a partir do plasma seriam destinados a portadores de hemofilias, cirrose, câncer, Aids, e vítimas de queimaduras.
As investigações ainda apontavam para campanhas eleitorais. “Relatório do COAF indica operações suspeitas, por parte de diretores e familiares deles, de transferência de valores, por meio de contas bancárias, destinados a assessores parlamentares ligados a políticos da região”, detalhou ele, informando que, a princípio, 12 pessoas ligadas a partidos políticos, campanhas eleitorais de 2014 e a políticos poderiam ter se beneficiado. “Os vínculos ainda estão sendo feitos. Todas as provas do inquérito serão compartilhadas com a Justiça Eleitoral, que vai naturalmente tomar sua posição”, disse Marcelo Diniz Cordeiro, superintendente regional da PF.
Detalhes da Operação Pulso
Os alvos:
Rômulo Maciel Filho – presidente da Hemobrás (mandado de condução coercitiva)
Mozart Sales – diretor de Produtos Estratégicos e Inovação (mandado de condução coercitiva)
Jorge Luiz Batista Cavalcanti – servidor da área de engenharia da Hemobrás (mandado de condução coercitiva)
*Delmar e Juliana são sócios de uma das empresas envolvidas nas irregularidades apontadas pela Polícia Federal
Alguns crimes apontados pela investigação:
Superfaturamento de R$ 6 milhões nas obras da Hemobrás, devido a um erro de projeto
Sobrepreço de R$ 52 milhões no gerenciamento da obra
Superfaturamento em um contrato para transporte de plasma, que passou de R$ 880 mil para mais de R$ 8 milhões
Os envolvidos responderão aos crimes de:
Peculato
Corrupção passiva
Fraude em licitação
Evasão de divisas
Lavagem de dinheiro
Formação de organização criminosa
12 anos de prisão é que, somadas, podem resultar a pena dos envolvidos pelas irregularidades
Rômulo Maciel Filho
O economista Rômulo Maciel Filho assumiu a presidência da Hemobrás em outubro de 2009, a primeira empresa estatal criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na época, o PT de Pernambuco, incluindo o ex-prefeito João Paulo e o ex-ministro Humberto Costa, contestou a indicação dele. Mas os petistas perderam a queda de braço para o ministro José Gomes Temporão, do PMDB, que havia trabalhado com Rômulo Filho na Fiocruz do Rio de Janeiro e o considerada de sua cota pessoal. O PT queria emplacar João Paulo Baccara no cargo, um médico hematologista ligado ao PMDB de Minas Gerais. Em outubro de 2013, Rômulo Maciel foi reconduzido ao cargo, com apoio do então ministro Alexandre Padilha (PT). Além da presidência, ele, novamente, acumulou a Diretoria de Desenvolvimento Industrial. Dessa vez, Rômulo não teve resistência dos pernambucanos.
Mozart Sales
Ex-vereador do Recife, Mozart Sales assumiu a direção de Produtos Estratégicos e Inovação da Hemobrás em março, após se destacar como coordenador do Programa Mais Médicos, do governo Dilma Rousseff. Era uma das apostas do partido para disputar a Prefeitura do Recife no próximo ano, especialmente num momento em que a legenda tem dificuldades de revelar novos quadros e passa pela sua maior crise. Mozart foi indicado para o cargo a partir de um acordo entre as lideranças do PT estadual. Em reunião na sede da sigla, entre os vários nomes colocados à mesa, venceu o de Mozart. Na Hemobrás, Mozart estava responsável pelas atividades de relacionamento com a hemorrede; pesquisa, produção e gestão do plasma.
Hemobrás
A Hemobrás é uma estatal vinculada ao Ministério da Saúde e foi criada para que o Brasil tivesse menos dependência externa no setor de derivados de sangue, com a produção de medicamentos essenciais a pessoas com hemofilia, cirrose, câncer, aids e portadores de imunodeficiência genética. O investimento previsto na estatal para o ano de 2015, durante a gestão de Dilma Rousseff (PT), era de R$ 377 milhões, mas o governo federal só liberou R$ 200 milhões. Para custeio, o que inclui os medicamentos, a Hemobrás recebe R$ 767 milhões.
A missão oficial da estatal é pesquisar, desenvolver e produzir hemoderivados, medicamentos biotecnológicos, visando atender, prioritariamente, aos pacientes do Sistema Único de Saúde. A vinda da empresa para Pernambuco, em 2005, teve uma participação grande do então ministro Humberto Costa e do presidente Lula.