O acesso às comunidades, entretanto, não costuma ser concedido a qualquer um, apenas àqueles que lideranças do narcotráfico não considerem inimigos
Informações divulgadas pelo jornal Gazeta do Povo revelam que o acesso do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), à favela Nova Holanda, que fica na zona norte do Rio de Janeiro, não teria ocorrido sem a permissão de lideranças do Comando Vermelho, maior facção criminosa do estado, que comanda o trecho do Complexo da Maré visitado pelo ministro de Lula.
As afirmações são de fontes ligadas às polícias militar e civil do estado ouvidas pela própria Gazeta do Povo.
Sem a realização de operação policial, essencial para a entrada de qualquer autoridade cujo posto se relacione com o combate ao crime organizado, como é o caso de um ministro de Estado da Segurança Pública, Dino entrou na área dominada pela facção criminosa na última segunda-feira (13) para participar de um evento dentro de uma ONG.
Vídeo que viralizou no dia da visita mostrando a chegada do ministro em dois carros oficiais acompanhado de alguns homens que não exibem armamento gerou uma série de críticas pela facilidade com que ele e a comitiva adentraram o Complexo da Maré. O local, formado por 16 favelas, tem o poder dividido pelo Comando Vermelho e o Terceiro Comando Puro (TCP), as principais facções do estado, o que gera uma série de violentos confrontos armados entre os grupos.
Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), membros descaracterizados da Polícia Federal (PF), além de integrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Militar e Polícia Civil do estado teriam participado da segurança do ministro. No entanto, conforme apurou a reportagem, alguns poucos agentes de segurança ficaram a postos de longe, fora da favela, em inferioridade bélica, posicional e numérica em relação aos narcotraficantes.
“Não tem nenhum cidadão no mundo que entre na Maré com dois carros grandes, com insulfilm, sem a anuência e a concordância do narcotráfico. Tanto que para a PM ou qualquer outra força policial entrar é só com blindados, com uma operação grande, com helicópteros. E mesmo assim, a resistência será de grandes proporções”, diz o coronel da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ) Fábio Cajueiro, que é ex-comandante de operações no Complexo da Maré.
“Nenhuma autoridade do Brasil ou de qualquer lugar do mundo entraria ali sem a autorização das lideranças do narcotráfico – seja juiz, promotor, desembargador, ministro, presidente…”, complementa.
Na avaliação de um policial da alta cúpula da Policia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ), que falou à reportagem sob a condição de sigilo, para estabilizar a favela Nova Holanda garantindo segurança a qualquer autoridade que pretendesse entrar no local sem a autorização das facções, seria necessária uma operação com o emprego de 100 a 200 policiais, todos armados com fuzis – o que torna o alegado emprego de agentes de segurança descaracterizados (ou seja, portando apenas pistolas) uma conduta de alto risco, que não é utilizada por nenhuma força policial do estado.
Como explica o policial civil, esse tipo de autorização do tráfico ocorre normalmente por meio de ONGs e associações de moradores dessas comunidades e destina-se a visitas de políticos de esquerda e até mesmo de alguns representantes do poder público, como defensores públicos. O acesso às comunidades, entretanto, não costuma ser concedido a qualquer um, apenas àqueles que lideranças do narcotráfico não considerem inimigos.
“Muitas dessas ONGs e associações fazem convites para pessoas de fora visitarem as favelas, e essas pessoas de maneira incrível não têm nenhum tipo de problema com violência dentro da favela. Agora se qualquer pessoa de fora, ou uma viatura policial ou outra autoridade do aparato repressivo do Estado for lá, vai ter sérios problemas”, afirma.
A região do Complexo da Maré acumula diversos episódios de pessoas baleadas ao entrarem por engano no local. Em outubro do ano passado, um caso que ficou bastante conhecido foi a entrada por engano, devido à indicação de rota de aplicativo de GPS, de cinco italianos em um mesmo carro em uma das favelas da Maré. Dois dos estrangeiros foram baleados, e a tragédia só não foi maior porque o condutor conseguiu fugir sob rajadas de fuzis contra o veículo.